O prazer exuberante de Wollny no processo de criação do espectáculo é algo a não perder. Muito divertido, mesmo!
Data | 2008-02-02 |
Local | Auditório Municipal de Resende |
Horário | 17:00 horas |
Palavras e afectos em torno de Resende
Data | 2008-02-02 |
Local | Auditório Municipal de Resende |
Horário | 17:00 horas |
O folclore é verdade e só verdade./É cultura. É cultura do passado./É cultura de um tempo respeitado./Que marca bem a nossa identidade.
Estes versos, retirados do livro de sonetos “Resende e o Douro”, da autoria do Dr. Albino Brito de Matos, fundador e presidente do rancho, constituem o “imperativo categórico” da determinação em continuar a preservar e a divulgar os usos, os costumes e as tradições da freguesia e do concelho.
Após marcação telefónica do encontro, dirigi-me para a sua casa, situada no lugar da Casa Nova/Tulhas, onde me recebeu, pelas 10h, no seu escritório. Nunca tinha cumprimentado ou tido qualquer contacto anterior com o Dr. Brito de Matos. Conhecia-o apenas de vista. Depois de referir ao que vinha, não se alargou em muitos pormenores nem se deteve em possíveis peripécias sobre a fundação do rancho, preferindo habilitar-me com a documentação sintética distribuída aquando das actuações do mesmo. A conversa não fluiu de modo a possibilitar a recolha de possíveis factos curiosos ocorridos em deslocações ou noutras situações. Quando, não sei a que propósito, lhe falei dos seus livros de poesia, uma expressão de satisfação percorreu-lhe o rosto. Levantou-se, foi buscar um exemplar do livro “Resende e o Douro”, que posteriormente me ofereceu com uma simpática dedicatória, sentou-se ao meu lado, lendo-me vários sonetos, começando por um dedicado a Paus. Deixou transparecer alguma emoção na leitura dos vários poemas e uma ligação muito grande a tudo o que respeita ao concelho. Não é em vão que se é presidente da Câmara durante 25 anos. Nunca falou sobre política. Embora afável, mostrou-se um homem reservado, experimentado e seguro na gestão daquilo que pretende dizer.
Embora fundado em 10 de Março de 1981, o rancho de Cárquere só em 1983 iniciou um trabalho profundo de recolhas etnográficas, sob a orientação da Federação de Folclore Português, na qual está filiado desde 10 de Novembro de 1989. Tal como muitos outros, também é herdeiro do movimento surgido após o 25 de Abril em defesa da chamada cultura popular, muitas vezes mascarada de determinados objectivos políticos. Após esta deriva, muitos destes grupos, que pouco tinham a ver com a preservação e divulgação das tradições genuinamente populares, foram posteriormente direccionados e enquadrados para este objectivo. Foi o que aconteceu em Cárquere com a acção do Dr. Brito de Matos e da sua afilhada Prof. Ana da Conceição Correia.
Através de um trabalho metódico, inteiraram-se dos levantamentos já efectuados sobre danças e cantares, usos e costumes do concelho e da região e contactaram com as pessoas mais antigas com o objectivo de conseguirem captar o quotidiano dos seus antepassados que viveram nos finais do século XIX e princípios do século XX. Foi-lhes pedido que reproduzissem danças e cantares, que emprestassem ou cedessem trajes e fotografias antigas e até artefactos. Este trabalho também não esqueceu lendas, contos populares, rezas e aforismos como instrumento de enquadramento explicativo das mundividências de então. Conseguiu-se assim um retrato vivo e fiel da vida daquela época que importava preservar, salvaguardar e divulgar através do rancho.
O rancho folclórico e etnográfico de Cárquere tem um repertório com uma duração de hora e meia, embora o tempo normal de actuação de cada grupo em festivais seja de 15 minutos. Nas suas deslocações procura transmitir as danças da região mais distintivas, consideradas o seu bilhete de identidade artístico, que caracterizamos resumidamente a seguir.
-Chula Rabela. É considerada a dança “ex-libris” do Douro e a única na região que se dançava
-Ó rapaz aperta a faixa. Dança que se usava antigamente nas festas e romarias e que se dançava também nas eiras e terreiros, depois dos trabalhos agrícolas.
-Sete estrelas. Dança de roda que se usava principalmente nas festas e romarias.
-Se eu fosse ladrão roubava. Dança de roda, na qual os rapazes tentam roubar as moças, rivalizando entre si para melhor ganharem a atenção das raparigas. Mas, por vezes, a sua ousadia causava alguns problemas…
-Malhão. Dança com uma marcação muito rápida, reflectindo a vida rude das gentes da encosta da serra do Montemuro.
Os trajes são uma amostra rigorosa da maneira de vestir, abarcando os trajes de trabalho, pobres e simples, relacionados com os trabalhos do campo e com alguns artesãos, e os trajes de festa e de romaria, mais coloridos e vistosos, como os dos noivos e o do lavrador abastado. Na primeira categoria, são apresentados figurantes representando trabalhadores rurais, o podador, o vindimador do Douro, o ceifeiro, o moleiro, o “pegoreiro” (pastor), a tecedeira e a cesteira.
Nas suas actuações, exibe alguns utensílios de trabalho usados no tempo dos nossos avós e peças do nosso artesanato no âmbito da cestaria, tecelagem, chapelaria de palha e tamancaria.
Refira-se que o rancho conseguiu reunir um conjunto de peças diversificadas e únicas, há muito tempo sem qualquer uso no dia a dia, como ferramentas, utensílios e objectos vários, que permitem dar a conhecer e caracterizar modos de vida de outros tempos.
Todo o trabalho tem sido orientado no sentido de dar continuidade às pesquisas e recolhas etnográficas na freguesia de Cárquere, concelho e região, com vista à sua preservação, à sua salvaguarda e difusão, permitindo desta forma levar a cultura e o nome de Resende a todo o país e ao estrangeiro.
A actividade de maior relevo tem sido a realização anual, no 3.º domingo de Agosto, de um festival de folclore, quase sempre internacional, na sequência de mecanismos de permuta, o que revela um grande esforço e dinamismo, na medida em que implica a participação deste rancho em festivais congéneres. No presente ano, realizou o XX Festival, que teve a participação de 6 ranchos, tendo constituído um assinalável sucesso pela qualidade e pela afluência de público.
Merece destaque especial a sua participação nos seguintes eventos: Festival Mundial de Folclore, em França, XVII Festival de Folclore do Algarve, transmitido em directo pela televisão para todo o mundo, e vários festivais na ilha da Sardenha, Itália. Foi o representante do folclore duriense num programa da RTL 4, gravado na Quinta das Carvalhas. Participou na produção luso-brasileira “Rio do Ouro”, integrando parte da respectiva banda sonora uma das suas cantigas. E tomou parte em diversos programas da Rádio Renascença e da Antena 1, onde teve oportunidade de dar a conhecer usos e costumes do concelho e exibir directamente parte do seu repertório.
Pelos excelentes serviços prestados em favor da preservação e divulgação do património cultural e das tradições do concelho de Resende, foi-lhe atribuída, em
Por quantos elementos é constituído o rancho?
O rancho consegue apresentar em palco cerca de cinquenta pessoas. Algumas permanecem desde o início. Embora ocorram desistências por motivos de ordem pessoal, profissional, familiar e outros, tem sido relativamente fácil até à presente data preencher as vagas que vão surgindo.
Sim, principalmente no âmbito da formação musical dos jovens, embora não esteja formalmente constituída uma escola de música. Tem desenvolvido também iniciativas de carácter lúdico-recreativo, como convívios, festas e jogos tradicionais.
Refira-se que o rancho constitui a secção cultural do Grupo Cultural e Desportivo de Santa Maria de Cárquere, pelo que as actividades desportivas, como o futebol, são levadas a efeito por este.
Os ensaios têm decorrido na da Junta de Freguesia, onde dispõe de uma sala para o efeito. Contudo, já foi iniciada a construção de sede própria, que tem passado por vicissitudes várias, e em cuja garagem se encontram já guardados todos os objectos de carácter etnográfico recolhidos na região.
Contacto:
Rancho Folclórico e Etnográfico de Santa Maria de Cárquere
4660-061 Cárquere
Site:http://ranchocarquere.com.sapo.pt
*Apontamento escrito para o Jornal de Resende (Setembro de 2007)
Após este aperitivo, vale a pena ler o discurso que Bento XVI tencionava partilhar com a comunidade académica da Universidade La Sapienza. É uma reflexão sobre a natureza e o papel da razão e da verdade. Chama a atenção para a importância do reconhecimento da experiência e da demonstração que atravessa as gerações e dos fundamentos da sabedoria como sinais de racionalidade e de significação perene. No quadro de uma racionalidade anti-histórica, adverte que a sabedoria da humanidade, onde se inclui a tradição histórica das grandes religiões, pode ser lançada impunemente para o caixote do lixo da história das ideias.
Compartilha o perigo de, face à grandeza do saber e do poder do ocidente, se pôr de parte a questão da verdade. O que pode e parece estar a acontecer é a razão estar a curvar-se perante as pressões dos interesses e a atracção da utilidade, deixando de erigir a verdade como critério último. Assim, a filosofia pode degradar-se em positivismo e a teologia, cuja mensagem se dirige à razão, pode confinar-se à esfera privada de um grupo mais ou menos numeroso. O Papa conclui que uma razão preocupada em demasia com a laicidade, confinada à auto-construção sobre a base do círculo dos seus próprios argumentos e limitada à reflexão exclusiva sobre o que acontece no momento destrói as raízes que a deveriam fazer viver.
Pode ler aqui na íntegra o discurso vertido em francês, já que o site do Vaticano o disponibiliza em alemão e italiano.
Há mentecaptos que dizem e escrevem as maiores barbaridades sobre Bento XVI, apesar de nunca terem lido um capítulo de um livro de sua autoria, uma encíclica ou um seu discurso.
A conferência do próximo sábado, dia12, será proferida por Anselmo Borges, com início às 15h30. Tem como o tema Polaridades na Igreja e realizar-se-á no Mosteiro do Lumiar (link).
Endereço do Mosteiro: Travessa do Corpo Santo,32 - 1200-131 Lisboa Telef. 21 342 32 08
E-mail: provinciaportuguesa@dominicanos.com.pt
Contrastando com o figurino habitual de missa e procissão solenes, antecedidas de arraiais nocturnos animados por bandas musicais, a Junta de Freguesia e o Rancho de Barrô organizaram uma semana cultural, enobrecendo os festejos em honra da sua padroeira. Espera-se que esta iniciativa possa constituir um novo modelo a seguir por outras freguesias e povoações, dando oportunidade aos residentes e emigrantes de usufruir de representações teatrais, conhecer trabalhos escolares, ouvir música de qualidade ou relembrar lendas e factos históricos locais.
O nome de Santa Maria, dado à igreja e à freguesia, evidencia a existência de uma comunidade cristã muito primitiva, remontando ao século VI. Por volta de 570, já se encontrava constituída a diocese de Lamego, sinal da cristianização destas terras, sendo então comum a escolha de Santa Maria para titular dos templos. É natural que Barrô começasse por ser uma pequena e fervorosa comunidade cristã que reunia num templo modesto, dando origem mais tarde a uma paróquia. De meados do século VIII até meados do século XI, esteve sob domínio muçulmano, tendo sido libertada em 1057/58. Ao longo da Idade Média e Moderna, foi uma importante comenda da Ordem Hospitalar/Ordem de Malta para a qual revertiam os dízimos da paróquia e outros rendimentos.
Ao longo dos séculos, mesmo sob domínio muçulmano, a devoção a Santa Maria sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção, que nos séculos VI e VII já era uma das principais festas da Igreja do Ocidente, nunca esmoreceu, tendo-se fortalecido com a reconquista cristã. A edificação da igreja de Barrô nos inícios do século XIII, revestida de tamanha imponência e beleza, é reveladora da força da fé cristã na região e da importância da devoção das suas gentes a Santa Maria, cujo testemunho foi sendo transmitido de geração em geração.
Até há relativamente poucos anos, as pessoas aproveitavam o percurso para as festas para cantar e dançar, sendo acompanhadas muitas vezes por pequenos grupos de tocadores, que actuavam também em recintos próximos das respectivas igrejas e capelas. Mas o cariz religioso mantinha-se no essencial, sendo também dado grande destaque à actuação das bandas filarmónicas, que eram objecto de escrutínio atento. Hoje em dia, contudo, as festas em honra de santos e padroeiros adquiriram uma dimensão profana autónoma, com eventos de atracção popular. E Barrô não foge à regra.
Assim, nos dias 12 e 14 deste mês, tiveram lugar dois grandes arraiais nocturnos, em que actuaram dois conjuntos musicais, respectivamente, “Raio X” e “Banda Pátria”. Mas as festividades religiosas continuam aqui ter uma grande importância . No dia
Tal como em tempos remotos, embora presentemente sem marinheiros e barcos rabelos, a imagem granítica da Senhora dos Navegantes/Boa Viagem continua a ser retirada do nicho do conjunto rochoso de Piares, nas margens do Douro e colocada num barco feito andor para integrar a procissão de Santa Maria/Nossa Senhora da Assunção. É uma operação que envolve muita força e audácia, pois requer a subida por escadas, suportadas em barcos, até junto da imagem que é amarrada por cordas para facilitar a descida.
Os actuais habitantes de Barrô, herdeiros da devoção dos seus antepassados e antigos marinheiros, que cavaram no cimo da rocha um nicho para colocação de uma imagem granítica em honra da Senhora da Boa Viagem à qual se encomendavam nas travessias do rio, continuam anualmente a manter a tradição.
Como acontece em situações semelhantes, há uma explicação de natureza milagrosa para esta devoção. Segundo a mesma, no final de uma grande cheia apareceu uma imagem de Nossa Senhora na garganta rochosa de Piares, a qual foi colocada num nicho cavado na pedra pelos marinheiros, tendo ficado a partir daí a sua protectora. Os homens de Barqueiros, invejosos desta situação, roubaram por diversas vezes a imagem, mas, a mesma, por poderes misteriosos e por querer bem às gentes de Barrô, regressou sempre ao nicho primitivo. E a gratidão deste gesto permaneceu até hoje.
Nota: Sobre N. Sra. da Boa Viagem e aspectos históricos de Barrô, cf. Duarte, Joaquim Correia (1996). Resende e a sua História (Vol.2: As Freguesias). Resende: CMR
Numa organização da Junta de Freguesia e do Rancho Folclórico, o programa cultural, que se estendeu de
Esta iniciativa, com uma programação diversificada e de qualidade, merece ser assinalada por diversos motivos. Tratou e deu a conhecer temas locais. Deu oportunidade aos mais jovens/estudantes para mostrar os seus talentos. Disponibilizou trabalhos escolares. Fez a festa com a prata da casa e com artistas do concelho. Permitiu o enriquecimento da população, sedimentando a sua identidade.
Quais os dados mais relevantes respeitantes ao rancho?
Tem 42 elementos, incluindo 12/14 pares dançantes. A sede tem funcionado num dos compartimentos da Junta de Freguesia, onde decorrem quinzenalmente os ensaios.
Os seus responsáveis não se têm debatido com falta de pessoas para integrar o rancho, talvez devido ao facto de esta freguesia ser constituída por vários casais jovens, não sendo das mais atingidas pela diminuição demográfica. Refira-se a propósito que, no ano lectivo passado (2006/07), frequentaram a educação pré-escolar 18 crianças e o 1.º ciclo 24.
Há alguma escola de música na freguesia?
Felizmente, desde Janeiro do presente ano, a freguesia disponibiliza a aprendizagem de vários instrumentos musicais (órgão, cavaquinho, viola e trompete) por professor especializado a 15 crianças/jovens e a 3 adultos, recebendo para o efeito uma comparticipação de 100 euros mensais da Câmara Municipal.
A semana cultural resultou de algum acordo com os mordomos da festa?
Não. Na sequência do que tem acontecido nos últimos anos, em que o Festival de Folclore tem sido realizado no fim de semana anterior ao dia
Contacto:
Junta de Freguesia de Barrô e Rancho Folclórico de Santa Maria de Barrô
Curcial - Barrô
4660-033 Resende
Telef. 254 969 689
*Escrito originariamente para o Jornal de Resende (Agosto de 2007)
Na Ceia de Natal do seu Partido, o Eng. Sócrates ter-se-á congratulado com a aprovação da prática do aborto no referendo do início do ano findo, tendo afirmado que o país superou «tabus religiosos» e obteve um «avanço civilizacional». O Sr. Padre Joaquim Correia Duarte estranha que os bispos tenham deixado passar isto em claro, como pode ver aqui.
Por estas bandas, a solidão mora ao lado. As notícias e as mágoas podem ser partilhadas diariamente na antiga escola do 1.º ciclo, agora sede de uma associação local. Enquanto se toma um café ou se bebe um copo, convive-se e põe-se a conversa
Introdução/Nota pessoal
Embora só viesse a conhecer esta aldeia por volta dos 17/18 anos, era-me já familiar por várias referências, que contribuíram para povoar a imaginação da minha infância. Pensava então que ficava nos confins do mundo, por ouvir dizer ao Sr. P. Tobias Cerveira, pároco de Paus e natural da Gralheira, que o mais difícil era chegar à Talhada, pois “daqui até à sua terra era um pulinho”. Como saía, a cavalo, às segundas-feiras e só voltava às quintas-feiras, imaginava como era longa a viagem…Pensava também que estava cercada de lobos, pois ouvia contar aos negociantes de gado e aos viajantes que era necessário ir bem armado para enfrentar esses animais perigosos, que apareciam “lá para os lados da Talhada”. E, por fim, achava que devia ser a melhor terra do mundo, onde não havia nada para fazer, pois as raparigas (chamadas moças da ceifa) vinham “cá para baixo” apanhar castanhas, onde passavam cerca de um mês a trabalhar a troco de uma saca de castanhas (às vezes, um pouco mais).
O contacto com um jovem, de nome Artur Pinto, natural da Talhada, que viera aos 12 anos por morte dos pais, como criado de servir para a casa da Eira Velha, possibilitou-me refazer a imagem desta aldeia serrana, sobretudo quando referia as difíceis condições de vida das suas gentes. Mas aguçava-me a curiosidade quando descrevia a beleza da serra, narrava as brincadeiras da neve ou referia o contraste entre as casas cobertas de colmo e de telha.
Há cinquenta anos, esta aldeia tinha cerca de quarenta fogos e cerca de cento e oitenta pessoas. Todas as famílias eram possuidoras de um “naco” de terra, de um rebanho de ovelhas e algumas vacas. A pastorícia era a actividade dominante e a principal origem do ganha pão. Havia a tradição e a liberdade de qualquer um poder apascentar os rebanhos em todos os terrenos destinados exclusivamente a tal fim, independentemente de se ser ou não o proprietário. Os mais pobres criavam gado a meias, sobretudo vacas, cujos donos (comerciantes) prosperavam sem qualquer trabalho, revertendo para eles metade das crias, do leite e da lã.
Os terrenos junto à povoação encontravam-se todos cultivados com centeio, trigo, milho, batata e produtos hortícolas. Devido à grande quantidade de cereais, duas malhadeiras passavam aqui quinze dias. Chegou a haver sete moinhos. Hoje, há dois a funcionar. Além do pão e da sopa, sobrava a carne da salgadeira, pois quase todas as famílias matavam um porco. Mas, como as bocas eram muitas, aproveitava-se a apanha das castanhas e as vindimas no Douro para guarnecer as despensas e tentar equilibrar os orçamentos. Vinho só pelo Natal e por ocasiões muito especiais, pois nunca houve por aqui tabernas nem o dinheiro abundava.
A partir dos anos sessenta, dá-se a debandada para Lisboa em busca de melhores condições de vida. Até esta data, a pouca emigração tinha como destino o Brasil. A Europa nunca exerceu qualquer fascínio por estes sítios. Mesmo actualmente, só há um jovem emigrado na Suíça. As consequências desta hemorragia de pessoal estão à vista. A escola do primeiro ciclo, que chegou a ser frequentada por cerca de vinte e cinco crianças, está há vários anos encerrada. A população residente está reduzida a 13 fogos/famílias, havendo no total 42 pessoas. Jovens até aos trinta anos são apenas sete, dedicando-se dois deles à agricultura e à pastorícia. Os outros trabalham nas redondezas na construção civil e na restauração. Crianças só há duas: uma tem um ano e seis meses e a outra frequenta o 2.º ano do 1.º ciclo na Granja/Ovadas.
A fisionomia da aldeia também se alterou. Ao contrário do passado, hoje só há 15 casas com cobertura de colmo.
Associação sócio-cultural e desportiva da Talhada
Foi fundada em Março de 1990 com a designação de Comissão de Melhoramentos da Talhada, tendo sido alterada para a actual denominação em Março de 2000. Está muito ligada à capela de Nossa Senhora da Visitação, estipulando mesmo os seus estatutos que, em caso de dissolução, os seus bens reverterão em benefício da mesma. É a associação que assume a responsabilidade pelo programa não religioso da festa da sua padroeira e protectora dos viajantes.
Até há cerca de cinco anos, organizava um torneio de futebol, em Julho e Agosto, integrando uma equipa da Talhada e mais sete de aldeias vizinhas. Hoje em dia, promove alguns jogos no Verão quando a população aumenta com a chegada dos naturais que aqui se deslocam em gozo de férias.
Actualmente, faz da promoção do convívio entre todos os residentes, particularmente dos mais idosos, a sua actividade principal. Diariamente, todos se podem encontrar ao serão na antiga escola primária e, aos fins de semana, durante todo o dia. Fazendo as honras da casa e acolhendo as pessoas, encontra-se uma simpática jovem, que acabou este ano o 12.º ano. Foi num destes serões que fiquei a saber pela D. Isabel de Jesus Almeida que a Talhada foi outrora uma terra de grande cultivo de linho e de muitos teares, cujo produto servia para a confecção de camisas, combinações e lençóis. Esta senhora combativa, após um interregno, quer reintroduzir o seu cultivo. Quem quiser saber em que consiste o tascar do linho assim como a animação que outrora lhe estava associada e outras curiosidades está convidado a subir a serra para conviver com as gentes desta associação.
Quem é o actual presidente da associação local?
É Rafael Pinto. Nasceu em Lisboa, tendo vindo para a Talhada com um ano e tendo aqui vivido até aos dezasseis. Retornou a Lisboa com esta idade, lá permanecendo dez anos, findo os quais voltou para a sede do nosso concelho, onde reside e onde abriu a pastelaria “O Sonho”. Mas tem a Talhada no coração, onde vai duas a três vezes por semana.
Quais os dados mais relevantes da associação?
Tem cerca de duzentos sócios, muitos deles a residir em Lisboa, dos quais cento e cinquenta têm as quotas
Na Talhada, o gado era apascentado por “vigias”?
Ao contrário da Gralheira e Panchorra, em que os lavradores juntavam todos os animais da aldeia num grande rebanho comunitário, sendo guardado rotativamente por um “vigia”, na Talhada, esse costume nunca vingou. Tal como no passado, as poucas ovelhas e vacas são guardadas pelos respectivos proprietários.
Há uma grande ligação à terra por parte dos que residem e trabalham fora?
Sim. Esta ligação é visível na festa de Nossa Senhora da Visitação e nas férias de Verão, em que a população triplica. Devido às características da aldeia e à interdependência na vida do dia a dia entre os seus habitantes no passado, forjou-se um sentido comunitário e criaram-se grandes elos de pertença. Ao contrário do que se verifica noutros locais, aqui ninguém se “desfaz” das suas casas. Isso seria cortar com as suas memórias.
Contacto:
Associação sócio-cultural e despotiva da Talhada
Talhada
4660 Resende
Telef. 93 487 44 95
*Artigo publicado no Jornal de Resende (edição de Julho de 2007)