O folclore é verdade e só verdade./É cultura. É cultura do passado./É cultura de um tempo respeitado./Que marca bem a nossa identidade.
Estes versos, retirados do livro de sonetos “Resende e o Douro”, da autoria do Dr. Albino Brito de Matos, fundador e presidente do rancho, constituem o “imperativo categórico” da determinação em continuar a preservar e a divulgar os usos, os costumes e as tradições da freguesia e do concelho.
Após marcação telefónica do encontro, dirigi-me para a sua casa, situada no lugar da Casa Nova/Tulhas, onde me recebeu, pelas 10h, no seu escritório. Nunca tinha cumprimentado ou tido qualquer contacto anterior com o Dr. Brito de Matos. Conhecia-o apenas de vista. Depois de referir ao que vinha, não se alargou em muitos pormenores nem se deteve em possíveis peripécias sobre a fundação do rancho, preferindo habilitar-me com a documentação sintética distribuída aquando das actuações do mesmo. A conversa não fluiu de modo a possibilitar a recolha de possíveis factos curiosos ocorridos em deslocações ou noutras situações. Quando, não sei a que propósito, lhe falei dos seus livros de poesia, uma expressão de satisfação percorreu-lhe o rosto. Levantou-se, foi buscar um exemplar do livro “Resende e o Douro”, que posteriormente me ofereceu com uma simpática dedicatória, sentou-se ao meu lado, lendo-me vários sonetos, começando por um dedicado a Paus. Deixou transparecer alguma emoção na leitura dos vários poemas e uma ligação muito grande a tudo o que respeita ao concelho. Não é em vão que se é presidente da Câmara durante 25 anos. Nunca falou sobre política. Embora afável, mostrou-se um homem reservado, experimentado e seguro na gestão daquilo que pretende dizer.
Embora fundado em 10 de Março de 1981, o rancho de Cárquere só em 1983 iniciou um trabalho profundo de recolhas etnográficas, sob a orientação da Federação de Folclore Português, na qual está filiado desde 10 de Novembro de 1989. Tal como muitos outros, também é herdeiro do movimento surgido após o 25 de Abril em defesa da chamada cultura popular, muitas vezes mascarada de determinados objectivos políticos. Após esta deriva, muitos destes grupos, que pouco tinham a ver com a preservação e divulgação das tradições genuinamente populares, foram posteriormente direccionados e enquadrados para este objectivo. Foi o que aconteceu em Cárquere com a acção do Dr. Brito de Matos e da sua afilhada Prof. Ana da Conceição Correia.
Através de um trabalho metódico, inteiraram-se dos levantamentos já efectuados sobre danças e cantares, usos e costumes do concelho e da região e contactaram com as pessoas mais antigas com o objectivo de conseguirem captar o quotidiano dos seus antepassados que viveram nos finais do século XIX e princípios do século XX. Foi-lhes pedido que reproduzissem danças e cantares, que emprestassem ou cedessem trajes e fotografias antigas e até artefactos. Este trabalho também não esqueceu lendas, contos populares, rezas e aforismos como instrumento de enquadramento explicativo das mundividências de então. Conseguiu-se assim um retrato vivo e fiel da vida daquela época que importava preservar, salvaguardar e divulgar através do rancho.
O rancho folclórico e etnográfico de Cárquere tem um repertório com uma duração de hora e meia, embora o tempo normal de actuação de cada grupo em festivais seja de 15 minutos. Nas suas deslocações procura transmitir as danças da região mais distintivas, consideradas o seu bilhete de identidade artístico, que caracterizamos resumidamente a seguir.
-Chula Rabela. É considerada a dança “ex-libris” do Douro e a única na região que se dançava
-Ó rapaz aperta a faixa. Dança que se usava antigamente nas festas e romarias e que se dançava também nas eiras e terreiros, depois dos trabalhos agrícolas.
-Sete estrelas. Dança de roda que se usava principalmente nas festas e romarias.
-Se eu fosse ladrão roubava. Dança de roda, na qual os rapazes tentam roubar as moças, rivalizando entre si para melhor ganharem a atenção das raparigas. Mas, por vezes, a sua ousadia causava alguns problemas…
-Malhão. Dança com uma marcação muito rápida, reflectindo a vida rude das gentes da encosta da serra do Montemuro.
Os trajes são uma amostra rigorosa da maneira de vestir, abarcando os trajes de trabalho, pobres e simples, relacionados com os trabalhos do campo e com alguns artesãos, e os trajes de festa e de romaria, mais coloridos e vistosos, como os dos noivos e o do lavrador abastado. Na primeira categoria, são apresentados figurantes representando trabalhadores rurais, o podador, o vindimador do Douro, o ceifeiro, o moleiro, o “pegoreiro” (pastor), a tecedeira e a cesteira.
Nas suas actuações, exibe alguns utensílios de trabalho usados no tempo dos nossos avós e peças do nosso artesanato no âmbito da cestaria, tecelagem, chapelaria de palha e tamancaria.
Refira-se que o rancho conseguiu reunir um conjunto de peças diversificadas e únicas, há muito tempo sem qualquer uso no dia a dia, como ferramentas, utensílios e objectos vários, que permitem dar a conhecer e caracterizar modos de vida de outros tempos.
Todo o trabalho tem sido orientado no sentido de dar continuidade às pesquisas e recolhas etnográficas na freguesia de Cárquere, concelho e região, com vista à sua preservação, à sua salvaguarda e difusão, permitindo desta forma levar a cultura e o nome de Resende a todo o país e ao estrangeiro.
A actividade de maior relevo tem sido a realização anual, no 3.º domingo de Agosto, de um festival de folclore, quase sempre internacional, na sequência de mecanismos de permuta, o que revela um grande esforço e dinamismo, na medida em que implica a participação deste rancho em festivais congéneres. No presente ano, realizou o XX Festival, que teve a participação de 6 ranchos, tendo constituído um assinalável sucesso pela qualidade e pela afluência de público.
Merece destaque especial a sua participação nos seguintes eventos: Festival Mundial de Folclore, em França, XVII Festival de Folclore do Algarve, transmitido em directo pela televisão para todo o mundo, e vários festivais na ilha da Sardenha, Itália. Foi o representante do folclore duriense num programa da RTL 4, gravado na Quinta das Carvalhas. Participou na produção luso-brasileira “Rio do Ouro”, integrando parte da respectiva banda sonora uma das suas cantigas. E tomou parte em diversos programas da Rádio Renascença e da Antena 1, onde teve oportunidade de dar a conhecer usos e costumes do concelho e exibir directamente parte do seu repertório.
Pelos excelentes serviços prestados em favor da preservação e divulgação do património cultural e das tradições do concelho de Resende, foi-lhe atribuída, em
Por quantos elementos é constituído o rancho?
O rancho consegue apresentar em palco cerca de cinquenta pessoas. Algumas permanecem desde o início. Embora ocorram desistências por motivos de ordem pessoal, profissional, familiar e outros, tem sido relativamente fácil até à presente data preencher as vagas que vão surgindo.
Sim, principalmente no âmbito da formação musical dos jovens, embora não esteja formalmente constituída uma escola de música. Tem desenvolvido também iniciativas de carácter lúdico-recreativo, como convívios, festas e jogos tradicionais.
Refira-se que o rancho constitui a secção cultural do Grupo Cultural e Desportivo de Santa Maria de Cárquere, pelo que as actividades desportivas, como o futebol, são levadas a efeito por este.
Os ensaios têm decorrido na da Junta de Freguesia, onde dispõe de uma sala para o efeito. Contudo, já foi iniciada a construção de sede própria, que tem passado por vicissitudes várias, e em cuja garagem se encontram já guardados todos os objectos de carácter etnográfico recolhidos na região.
Contacto:
Rancho Folclórico e Etnográfico de Santa Maria de Cárquere
4660-061 Cárquere
Site:http://ranchocarquere.com.sapo.pt
*Apontamento escrito para o Jornal de Resende (Setembro de 2007)