terça-feira, janeiro 08, 2008

Santa Maria de Barrô*

Contrastando com o figurino habitual de missa e procissão solenes, antecedidas de arraiais nocturnos animados por bandas musicais, a Junta de Freguesia e o Rancho de Barrô organizaram uma semana cultural, enobrecendo os festejos em honra da sua padroeira. Espera-se que esta iniciativa possa constituir um novo modelo a seguir por outras freguesias e povoações, dando oportunidade aos residentes e emigrantes de usufruir de representações teatrais, conhecer trabalhos escolares, ouvir música de qualidade ou relembrar lendas e factos históricos locais.

Devoção a Santa Maria
O nome de Santa Maria, dado à igreja e à freguesia, evidencia a existência de uma comunidade cristã muito primitiva, remontando ao século VI. Por volta de 570, já se encontrava constituída a diocese de Lamego, sinal da cristianização destas terras, sendo então comum a escolha de Santa Maria para titular dos templos. É natural que Barrô começasse por ser uma pequena e fervorosa comunidade cristã que reunia num templo modesto, dando origem mais tarde a uma paróquia. De meados do século VIII até meados do século XI, esteve sob domínio muçulmano, tendo sido libertada em 1057/58. Ao longo da Idade Média e Moderna, foi uma importante comenda da Ordem Hospitalar/Ordem de Malta para a qual revertiam os dízimos da paróquia e outros rendimentos.
Ao longo dos séculos, mesmo sob domínio muçulmano, a devoção a Santa Maria sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção, que nos séculos VI e VII já era uma das principais festas da Igreja do Ocidente, nunca esmoreceu, tendo-se fortalecido com a reconquista cristã. A edificação da igreja de Barrô nos inícios do século XIII, revestida de tamanha imponência e beleza, é reveladora da força da fé cristã na região e da importância da devoção das suas gentes a Santa Maria, cujo testemunho foi sendo transmitido de geração em geração.

Dimensão religiosa e profana da festa actual
Até há relativamente poucos anos, as pessoas aproveitavam o percurso para as festas para cantar e dançar, sendo acompanhadas muitas vezes por pequenos grupos de tocadores, que actuavam também em recintos próximos das respectivas igrejas e capelas. Mas o cariz religioso mantinha-se no essencial, sendo também dado grande destaque à actuação das bandas filarmónicas, que eram objecto de escrutínio atento. Hoje em dia, contudo, as festas em honra de santos e padroeiros adquiriram uma dimensão profana autónoma, com eventos de atracção popular. E Barrô não foge à regra.
Assim, nos dias 12 e 14 deste mês, tiveram lugar dois grandes arraiais nocturnos, em que actuaram dois conjuntos musicais, respectivamente, “Raio X” e “Banda Pátria”. Mas as festividades religiosas continuam aqui ter uma grande importância . No dia 14, a partir das 9 horas, antecedendo a grande festividade, procedeu-se, como habitualmente, à recolha de 15 andores pelas várias capelas da freguesia, cujo percurso teve o acompanhamento da banda musical de Cumieira. Um dos andores é o de Nossa Senhora da Boa Viagem, cuja imagem é retirada anualmente das rochas das margens do rio Douro, como se refere seguidamente. O dia 15 começou, como de costume, com a actuação ao despique de duas bandas musicais, neste caso da Portela e da Cumieira, que empolgaram os numerosos apreciadores durante a primeira parte da manhã. Às 11 horas, teve início a missa solene com sermão. E às 16 horas, teve lugar a tradicional procissão de triunfo, considerado o acto de maior vivência emotiva e devocional, constituindo um momento de uma beleza singular, tendo em conta a participação de figuras bíblicas, o colorido dos andores, as atitudes e preces, e os registos musicais.

Andor de Nossa Senhora da Boa Viagem
Tal como em tempos remotos, embora presentemente sem marinheiros e barcos rabelos, a imagem granítica da Senhora dos Navegantes/Boa Viagem continua a ser retirada do nicho do conjunto rochoso de Piares, nas margens do Douro e colocada num barco feito andor para integrar a procissão de Santa Maria/Nossa Senhora da Assunção. É uma operação que envolve muita força e audácia, pois requer a subida por escadas, suportadas em barcos, até junto da imagem que é amarrada por cordas para facilitar a descida.
Os actuais habitantes de Barrô, herdeiros da devoção dos seus antepassados e antigos marinheiros, que cavaram no cimo da rocha um nicho para colocação de uma imagem granítica em honra da Senhora da Boa Viagem à qual se encomendavam nas travessias do rio, continuam anualmente a manter a tradição.
Como acontece em situações semelhantes, há uma explicação de natureza milagrosa para esta devoção. Segundo a mesma, no final de uma grande cheia apareceu uma imagem de Nossa Senhora na garganta rochosa de Piares, a qual foi colocada num nicho cavado na pedra pelos marinheiros, tendo ficado a partir daí a sua protectora. Os homens de Barqueiros, invejosos desta situação, roubaram por diversas vezes a imagem, mas, a mesma, por poderes misteriosos e por querer bem às gentes de Barrô, regressou sempre ao nicho primitivo. E a gratidão deste gesto permaneceu até hoje.

Nota: Sobre N. Sra. da Boa Viagem e aspectos históricos de Barrô, cf. Duarte, Joaquim Correia (1996). Resende e a sua História (Vol.2: As Freguesias). Resende: CMR

Semana cultural
Numa organização da Junta de Freguesia e do Rancho Folclórico, o programa cultural, que se estendeu de 4 a 11 de Agosto, integrou a apresentação da história de Barrô, através da projecção de slides com fotos alusivas, sessões de teatro, a actuação de grupos de dança, a leitura de lendas locais e vários espectáculos de música ( “Tom Vintém e Amigos”, Concertinas de Barrô, Noite de fado e Orquestra Ligeira da Banda de S. Cipriano “A Nova”). A semana encerrou com a realização do VI Festival de Folclore.
Esta iniciativa, com uma programação diversificada e de qualidade, merece ser assinalada por diversos motivos. Tratou e deu a conhecer temas locais. Deu oportunidade aos mais jovens/estudantes para mostrar os seus talentos. Disponibilizou trabalhos escolares. Fez a festa com a prata da casa e com artistas do concelho. Permitiu o enriquecimento da população, sedimentando a sua identidade.

Rancho Folclórico
Pelo seu papel na vida cultural da freguesia, merece destaque especial o Rancho Folclórico de Santa Maria de Barrô, que teve origem em dois grupos formados alguns anos após o 25 de Abril, em Vilarinho e Cetos.
Nasceu formalmente em 18 de Julho de 1998, com o objectivo de recuperar com autenticidade os modos de vida, usos e costumes das gentes da freguesia por alturas dos fins do séc. XIX e inícios do séc. XX. Nesta terra, cujas tradições e raízes se situam simultaneamente na zona da serra de Montemuro e no Douro vinhateiro, o rancho tem contribuído para a recuperação de cantigas e danças de roda ligadas à colheita de cereais, às noitadas de desfolhada, à vinha e ao rio Douro.
Está inscrito no INATEL, aguardando a filiação na Federação do Folclore Português. Já levou as tradições locais a muitas localidades do país e à Suíça, aonde já se deslocou por duas vezes.


Perguntas e Respostas

Quais os dados mais relevantes respeitantes ao rancho?
Tem 42 elementos, incluindo 12/14 pares dançantes. A sede tem funcionado num dos compartimentos da Junta de Freguesia, onde decorrem quinzenalmente os ensaios.
Os seus responsáveis não se têm debatido com falta de pessoas para integrar o rancho, talvez devido ao facto de esta freguesia ser constituída por vários casais jovens, não sendo das mais atingidas pela diminuição demográfica. Refira-se a propósito que, no ano lectivo passado (2006/07), frequentaram a educação pré-escolar 18 crianças e o 1.º ciclo 24.

Há alguma escola de música na freguesia?
Felizmente, desde Janeiro do presente ano, a freguesia disponibiliza a aprendizagem de vários instrumentos musicais (órgão, cavaquinho, viola e trompete) por professor especializado a 15 crianças/jovens e a 3 adultos, recebendo para o efeito uma comparticipação de 100 euros mensais da Câmara Municipal.

A semana cultural resultou de algum acordo com os mordomos da festa?
Não. Na sequência do que tem acontecido nos últimos anos, em que o Festival de Folclore tem sido realizado no fim de semana anterior ao dia 15, a Junta de Freguesia e a Direcção do Rancho resolveram este ano organizar uma semana cultural, que foi acolhida favoravelmente pelo pároco local, Sr. P. Vasco Alves, que disponibilizou para o efeito o salão paroquial.

Contacto:

Junta de Freguesia de Barrô e Rancho Folclórico de Santa Maria de Barrô
Curcial - Barrô
4660-033 Resende

Telef. 254 969 689

*Escrito originariamente para o Jornal de Resende (Agosto de 2007)