quarta-feira, outubro 12, 2011

Colóquios Igreja em Diálogo: “Quem foi (é) Jesus Cristo?”- Domingo (dia 9)

José María Castillo: “Jesus e a Igreja”
Começou por referir que há um contraste entre a apreciação do público em geral acerca de Jesus e a apresentação que a Igreja faz do mesmo Jesus, a qual  leva muita gente a afastar-se. É sintomático que os bispos espanhóis tenham retirado o último livro do teólogo  José António Pagola,  para que as suas ideias e reflexões não possam ser lidas.
A Igreja e a respectiva organização nascem com S. Paulo, que não conheceu Jesus nem o quis conhecer. O percurso terreno de Cristo é-lhe desconhecido. O encontro concretiza-se  com a visão/experiência a caminho de Damasco. Depois deste acontecimento esteve longe do contacto com os discípulos e apóstolos. De acordo com a concepção de S. Paulo, Jesus estava programado para ser a vítima que Deus necessitava. A preponderância que S. Paulo veio a ter não foi inocente. Ele reafirmou de modo obsessivo a sua autoridade como apóstolo, “pela graça de Deus”. Concebeu uma Igreja a partir da autoridade, desejando gente submissa. De qualquer forma, tem de se reconhecer o seu papel: i) na universalização do cristianismo, fazendo com que saísse dos limites estreitos do judaísmo, ii) na facilitação da sua integração nas culturas helénica e romana e iii) institucionalizou o movimento operado por Jesus.
Há que retornar aos evangelhos. Afirmou que as  preocupações de Jesus foram no sentido de ir contra o sofrimento, defendendo uma reorganização das relações humanas, de forma a evitar a existência de excluídos, pobres e marginais. No fundo, Jesus era favorável a que se vivesse o melhor possível. A primeira entidade a desobedecer ao evangelho é a Congregação para a Doutrina da Fé, referiu.
Reconheceu que tem de haver alguma organização . Sem a Igreja não teria tido contacto com a fé. Há sociólogos que afirmam que, em geral,  um movimento sem organização durará no máximo duas ou três gerações.

Juan José Tamayo: “Jesus e as religiões”
Iniciou a conferência, dizendo que se passou de uma sociedade mono-religiosa para uma sociedade multi-religiosa. Perguntou se o modelo multi-cultural e religioso não desembocará no relativismo. Adiantou que isso parece não se confirmar, pois em cidades,  onde há diversidade religiosa, é patente   uma maior prática religiosa. Com a catequese escolástica sabiam-se todas as respostas; face aos desafios da sociedade multi-cultural já não se sabe nada, surgindo novas questões a que é necessário responder.
O diálogo inter-religioso tem vários limites e cambiantes.   Desde os  defensores   do cristianismo como única religião verdadeira, a única detentora da salvação, onde as pontes de diálogo são mínimas, pela impossibilidade de relações simétricas, até aos que  entendem  que as religiões não concedem a salvação, mas são mediações que ajudam os crentes a consegui-la.  Na linha de H. Kung,  o grande objectivo do diálogo entre as várias religiões seria  encontrar  um “ethos” básico universal,  ou seja, um consenso ético em torno das grandes questões: a paz e a justiça, defesa do meio ambiente, direitos das mulheres, etc.
 A terminar, realçou que a maioria das religiões mostra uma grande disponibilidade para o diálogo, descontando as franjas fundamentalistas. Relativamente ao Islão, onde o extremismo está em expansão,  lembrou que o Corão defende o direito fundamental da liberdade religiosa: “não há coacção na religião”. Este livro sagrado declara que a humanidade não tem nem terá um mesmo credo.

Isabel Allegro de Magalhães: Jesus e as mulheres
Pela leitura dos evangelhos, Isabel Magalhães está convencida que Jesus Cristo não foi um reformador social. Há na sua mensagem uma proposta ética e um “ethos” de inclusão,  ao contrário de algumas feministas que vêem  nele um militante dos direitos e igualdade das mulheres. De qualquer forma, tratou-as “com muito esmero”.
No “Cântico dos Cânticos”, a paridade é completa, porque tudo indica que foi escrito por uma mulher. Realçou  o diálogo  com a Samaritana, onde decorre uma conversa aberta inter-pares em que Jesus lhe faz uma revelação singular, comunicando-lhe   que era o messias, o que acontecia claramente pela primeira vez. “…A mulher disse-lhe: Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier,  anunciar-nos-á  tudo. Jesus disse-lhe: Eu o sou, eu que falo contigo”. É sintomático também que Jesus ressuscitado  também aparecesse primeiro às mulheres.
Acha que as mulheres sempre estiveram mais ligadas a uma cristofania do que a uma cristologia,  pela maior adesão à dimensão sapiencial e profética.

Andrés Torres Queiruga: “Ressurreição dos mortos?”
Começou por afirmar que a ressurreição é um conceito familiar ou conhecido de muitas religiões, incluindo a judaica. A vida foi sendo construída na concepção de que o homem  transcendia o túmulo, realizando-se para além da morte. Deus era o Deus dos patriarcas e dos profetas; é um Deus de vivos. Os judeus acreditavam que isso aconteceria no fim dos tempos.
A ressurreição, contudo, não é um acontecimento histórico nem empírico. Jesus ressuscitado não poderia aparecer aos apóstolos nem ser visto, porque é uma realidade transcendente, de “outra  ordem”, não sendo acessível aos sentidos.
Deus não intervém milagrosamente no mundo nem interveio no último minuto, evitando a morte de Jesus. Ao contrário do que alguns pensam, no entendimento de Queiruga, os discípulos não desanimaram com a morte de Cristo. A sua morte ainda lhes deu mais força. Os gestos e as palavras de Cristo deram um tal sentido às suas vidas, que a injustiça da morte na cruz foi o catalisador para continuar e anunciar a experiência do contacto com o Mestre.
Queiruga acredita firmemente na bondade de Deus, que não podia criar o homem para o nada, estando convencido que este continuará numa outra vida.
Muitos (nos quais me incluo) entendem, contudo,  que os discípulos entraram em grande desânimo após a morte de Cristo, tendo posteriormente  passado  por uma experiência de tal forma marcante que alterou completamente  o rumo das suas vidas e que lhes permitiu ver e intuir clara e “finalmente” o sentido e o fio condutor do percurso do Mestre. A este acontecimento se chama ressurreição, que está de acordo com a leitura dos evangelhos. As aparições são catequeses da ressurreição.

Albino Valente dos Anjos (Superior Geral da Sociedade Missionária): Palavra de encerramento
Começou por manifestar regozijo pela grande participação e interesse pelos trabalhos deste colóquio, afirmando que aqui vivemos em liberdade.
Dirigindo-se a Anselmo Borges, afirmou:  “Felicito-o pelo tema escolhido para este colóquio, pelo modo sábio como o estruturou e pelo ambiente que criou”. E anunciou que para o próximo ano iria ter lugar um novo colóquio, incumbindo-o de ser o responsável pela sua organização.

Nota final
Foi um colóquio sem powerpoints. Os conferencistas expuseram sabiamente o resultado das suas investigações e reflexões, usando exclusivamente a palavra e apontamentos, como sempre fizeram os mestres. E dialogaram no fim de cada lição.