Coube-lhe abrir o Colóquio, chamando a atenção para a importância do tema, pois Jesus está na base da maior religião do mundo. Foi tão importante que a história está dividida entre antes e depois de Jesus Cristo. O impacto da sua mensagem na vida dos discípulos foi de tal maneira importante e a experiência da ressurreição foi de tal maneira avassaladora que não hesitaram em dar a vida por Ele. E mais que profeta, ficou a chamar-se Jesus Cristo (o Messias, em grego), o filho de Deus.
Importa, pois, como referiu, conhecer as várias facetas de Cristo, investigando o que se passou entre o nascimento e a morte, designadamente as suas relações com o poder, a religião, o dinheiro, as mulheres...
Xabier Pikasa: “Uma biografia (impossível)”
Acentuou várias vezes que toda a história é interpretação. Não há história pura. Neste sentido, os evangelhos também são uma interpretação, transportando concepções sócio-culturais e determinadas visões de gestos, palavras e factos. Citou várias obras, cujos autores, conforme o enfoque, viam n’Ele ou um pregador religioso do Reino de Deus, ou um profeta escatológico, ou um homem poderoso em palavras e obras...
À volta da concepção e nascimento de Jesus parece haver um enigma. Quanto à morte, ela ocorreu, porque Jesus pôs em causa a ordem religiosa estabelecida, tornando-se perigoso (tinha a “pretensão” de ser descendente de David e apresentou-se em Jerusalém messianicamente como portador do Reino de Deus). Quem O condenou realmente foi a elite sacerdotal. Juridicamente, foi o governador romano.
Caracterizou o cristianismo por ser uma religião originariamente de vivos e não de túmulos.
À pergunta se Jesus foi casado, respondeu que tudo leva a crer que não, já que o casamento era um estado social público e seria difícil ocultá-lo, não aparecendo nos evangelhos nenhum indício de tal. Quanto à existência de irmãos, defendeu a sua possibilidade
António Piñero: “Jesus e a gnose”
Este autor é talvez o maior especialista espanhol da área. Os cristãos gnósticos foram primitivamente uma pequena, mas influente comunidade da Ásia Menor , cuja “revelação intelectual” e “conhecimento que salva” se fundam na filosofia grega e, designadamente, em Platão. A sua teologia é uma teodiceia.
Algumas das concepções religiosas do gnosticismo podem formular-se como se segue. Existe um Deus Transcendente, o Uno, o Bem, o Pai. Esta divindade “complexa” projecta-se para fora, constituindo o Pleroma, a Plenitude (totalmente espírito). Um dos “iões” divinos do Pleroma , denominado Sabedoria, caiu numa espécie de lapso ou “pecado”, dando origem à matéria primordial e ao Demiurgo. Este Demiurgo, contudo, não é o Deus Transcendente; é o que cria o universo e o homem, utilizando, por um lado, a matéria primordial e, por outro lado, as formas ou ideias das coisas que contempla no Pleroma ou no ser da sua mãe, a Sabedoria. A implicação disto é que a parte melhor e mais autêntica do ser humano é o espírito, porque é uma espécie de centelha divina, que procede de Deus Transcendente através da Sabedoria. Esta centelha divina, que está encarcerada na matéria, isto é, no corpo e no mundo material, deve voltar a donde procede, o que constitui a salvação. Jesus Cristo é o Redentor, o Salvador e o Revelador, descendente do Pleroma; a sua revelação recordará ao homem que possui esta centelha, iluminando-o sobre o modo de voltar à origem de que procede.
Estas concepções deram corpo aos chamados evangelhos gnósticos e a outros escritos, vindo a influenciar as correntes mais espiritualistas e místicas do cristianismo. Estão bem patentes no Evangelho de S. João, que, conforme foi afirmado neste Colóquio, felizmente foi considerado canónico. A forte desvalorização do corpo pelo cristianismo deve-se muito à influência gnóstica.
Juan Antonio Estrada: “Jesus e Deus”
Começou por afirmar que para compreender Jesus é preciso integrá-lo no contexto sociológico e histórico do seu tempo, mas é necessário ter em conta que as questões colocadas partem do contexto de hoje, em que há uma crise acerca de Deus. Vivemos numa época pós-cristã e pós-religiosa, em que o ateísmo, o agnosticismo e o indiferentismo são elementos comuns nas nossas sociedades. Há um grande distanciamento da fé em Deus. Nas nossas sociedades conhecer algo é demonstrá-lo de forma científica e a existência de Deus nunca pode ser provada empiricamente.
Estamos a assistir à morte sócio-cultural de Deus. Para quê crer? Que importa Deus? Mesmo no plano ético e moral as pessoas vêem tantas contradições na doutrina e na prática da Igreja que é preferível para muitos obedecer à consciência, prescindindo assim de Deus e aderindo a uma moral laica. A Igreja gera ateísmo no seu próprio seio.
Caracterizou a sociedade hodierna como dominada: i) pela insegurança a nível pessoal e colectivo e atravessada por muitas interrogações, o que até pode ser positivo; ii) por uma cultura que perspectiva a realidade de forma pragmática, o que implica que a religião e a relação com Deus tenha de ser abordada como experiência de salvação no dia a dia e não na expectativa do além; e iii) pela crise de sentido, de que os suicídios são um sintoma, ocorrendo em Espanha 9/10 por dia.
A Igreja construiu uma religião de dogmas, de doutrina, de ritos e de normas, desligada das pessoas. As respostas têm de ser dadas recentrando-as na leitura da experiências e dos gestos relatados nos evangelhos. O conferencista terminou dizendo que a Igreja tem medo do Jesus do Evangelho e de fazer perguntas. Porque estas suscitam busca, mudança, inquietações.
José Ignacio González-Faus: “Jesus e o dinheiro”
O tom à conferência foi dado pela citação da sentença retirada de Mateus: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro; não podeis servir a Deus e a mamon”, isto é, o dinheiro, a cobiça, que personificava uma divindade. Referiu que a preocupação na Bíblia centrava-se na idolatria, sendo preferível um ateu a um idólatra, e a ganância pelo dinheiro constituía um deus falso. O dinheiro abre todas as portas, criando um sentimento de domínio, gerador de emoções de índole religiosa.
Na Bíblia a abundância é bem vinda, o mesmo não acontece à riqueza privada. De acordo com muitas passagens dos Evangelhos, é muito difícil um rico salvar-se, sendo esta frase paradigmática: “…é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. O dinheiro obscurece o coração do homem. Jesus foi provavelmente influenciado pelas comunidades essénias, favoráveis à partilha e ao apoio aos pobres.
Paulo Rangel: “Jesus e a política”
Baseado numa leitura livre dos Evangelhos, Paulo Rangel afastou de Jesus o personagem de um agitador social, recusando uma visão conspirativa da sua mensagem. “Não há no pensamento de Jesus um roteiro político ou uma filosofia e ideologia políticas”, disse. E acrescentou: “Não há nele um pensamento maquiavélico no sentido da captura do poder”. E ainda: “Não há nos evangelhos qualquer ênfase na defesa do enfrentamento entre classes”. Zurziu nos chamados progressistas que põem muito enlevo num suposto modelo político da mensagem de Jesus, constituído como agente político, mas também incluiu os conservadores pelo conúbio entre o poder e a religião. Referiu ainda que a proposta de Jesus é aberta a todos, o que é contraditório com a visão partidária, a segmentação que alimenta a política. Coisas bem diferentes de tudo isto, como disse, são as implicações na vida da polis e da política das concepções e das vivências cristãs de cada um.
No espaço de perguntas e respostas, José Martins Júnior (o conhecido Padre Martins, ex-deputado do parlamento regional, eleito com o apoio, primeiro da UDP, e depois do PS, e antigo presidente da Câmara de Machico) não se deixou influenciar pela voz timbrada, pelo estilo auto-afirmativo e pelo discurso algo gongórico de Paulo Rangel, tendo chamado a atenção do orador por ter passado em claro o aproveitamento que governos e políticos fazem da religião, de que a Madeira de Alberto João Jardim é um bom exemplo, onde a Igreja local se destaca pela submissão. Convidado a expor a pergunta, o Padre Martins, reagiu assim: “estou dividido; por um lado, gostaria de continuar a assistir a este colóquio, que é magnífico, mas, por outro, amanhã há eleições na Madeira; que é que V. Ex.ª me aconselha: ficar aqui ou ir votar?”
Claro que partiu nessa mesma noite para a Madeira, tendo dito que a melhor maneira de castigar Alberto Jardim era dar-lhe uma maioria absoluta, sendo obrigado assim a governar na penúria, sem hipóteses de responsabilizar outro(s) partido(s).