sexta-feira, março 18, 2011

Anselmo Borges no auditório dos HUC: “A Igreja utilizou a morte de uma forma mórbida, aterrorizando as pessoas, para exercer poder sobre as consciências”

O Bispo de Coimbra, que encerrou na tarde de hoje o  simpósio o “Luto”, considerou a comunicação de Anselmo Borges luminosa.
Anselmo Borges fez um diagnóstico negro da situação actual, caracterizando a nossa sociedade como de espectáculo, por vezes indecoroso, em que se inclui a luta política. A reflexão sobre a morte, que se impôs como tema tabu, poderia  ajudar a contrariar este rumo, adiantou.  É que este exercício obriga a pensar sobre a condição humana, a distinguir entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto.
“Os mortos são os finados. Mas que fim é esse? Esse fim com quê confina? Com o nada, enquanto termo de tudo? Ou o nada que é a ocultação dessa realidade última, que dá sentido e salvação, realidade última a que chamamos Deus?”, questionou. "Onde estarei quando cá não estiver?".  É a pergunta. “O absurdo é uma possibilidade”, acrescentou.
De entre outras, a indiferença e a despreocupação podem constituir uma atitude  perante a realidade da morte. Poderemos pensar  “bem, se o universo existe há 13,7 mil milhões de anos, como estimam os astrofísicos,  e nós não estávamos cá, quando morrermos muito simplesmente também cá não estaremos”. A sobrevivência através dos filhos, obras e realizações pode ser outra resposta, mas é uma sobrevivência impessoal. Referiu como exemplo Lev Tolstoi, que, embora pudesse sobreviver através dos muitos filhos e  livros,  concluiu na “Confissão” pelo absurdo da vida, caso tudo terminasse na morte.
Apontando uma outra perspectiva, afirmou que na Bíblia a palavra imortalidade só aparece duas vezes. Uma para afirmar que só Deus é imortal e outra para dizer que o homem não é imortal. Contudo, depois de milhares de anos a acreditar em Deus, mas não na ressurreição dos mortos, os judeus intuíram, como testemunha o Livro dos Macabeus, que quem lutou e morreu por Deus não pode estar condenado à morte.
Partindo das reflexões da  Escola Crítica de Frankfurt (Max Horkheimer, Theodor Adorno, Jürgen Habermas), afirmou que há um clamor na humanidade  quanto à dívida para com as vítimas inocentes que, por razões morais, postulam a existência de Deus. Neste contexto citou um texto de Habermas (que é agnóstico), escrito depois dos acontecimentos do 11 de Setembro, em que fala do perdão, algo que a razão não pode dar, porque o perdão é um milagre. “Como é possível explicar que um filho consiga  perdoar a morte da mãe?”, questionou. No entanto, isso acontece. Por isso, Habermas concluiu dizendo que a ideia da ressurreição dos mortos faz muita falta.
Anselmo Borges falou ainda da  perspectiva  do amor como força mobilizadora para uma outra dimensão, tendo terminado afirmando que “quem ama verdadeiramente requer a eternidade”.