terça-feira, dezembro 29, 2009

Carta ao Bruno, do outro lado do Atlântico, (relato de sinais de Natal em Resende)









Bruno, companheiro de todas as viagens:
Cheguei a escrever muitas cartas para o Brasil, a pedido de viúvas de homens que para aí emigraram, muitos dos quais nunca regressaram, e que começavam sempre do mesmo modo: Muito estimo que esta minha carta te vá encontrar de perfeita e feliz saúde na companhia do nosso querido filho, que eu ao fazer esta cá vou andando como Deus quer. Cá recebi a tua estimada cartinha que estou a responder na volta do correio. Com respeito à saúde da tua mãe, tenho a dizer-te que ... Hoje já não se escrevem cartas de viagem e muito menos de amor. É um bem raro, que ainda cultivo para aqueles de quem mais gosto. Fui habituado a escrever nem que fosse um postal no fim de cada viagem (não havia telefones, e-mails nem net…). Aqui fica este exercício, como se fazia antigamente. Sabíamos que a chegada de uma carta era dia de festa lá longe.
Sábado passado, dia 26, acordou cheio de sol em Coimbra. Ainda hesitei, mas a vontade de ir por aí acima impôs-se-me. Por isso, ao meio da tarde, meti jipe à estrada. Eram cerca de 18h, quando cheguei a Bigorne e vi os primeiros sinais de neve, que tinha caído na noite anterior. Com cuidado, fui rolando sobre alguma neve (pouca) e gelo. Atravessei Gosende e Feirão, com chaminés fumegantes, mas sem ver vivalma. Cruzei depois para a Panchorra, tendo parado junto à sede da Junta de Freguesia, onde vi luzes. Ia a sair da viatura, quando me apareceram dois cães. Como o meu medo destes bichos já é proverbial, refugiei-me no jipe. Entretanto, à porta da sede da Junta, apareceram três homens às quais comuniquei ao que vinha, isto é, que desejava falar com o Presidente. Pode vir, o cão não faz mal, mas tenha cuidado com a neve e o gelo, disse uma deles. Todo o carro que entra à noite na Panchorra é suspeito, continuou sorrindo. Já dentro do edifício, e feitas as apresentações, pedi ao Presidente da Junta, Horácio Saraiva, para me arranjar uma pessoa da freguesia com uma boa história de vida, a fim de fazer um apontamento para o Jornal de Resende. A entrevista ficou aprazada para segunda-feira, às 11h. Retornei à estrada sob o silêncio absoluto das alturas serranas, passando pela Talhada e descendo S. Cristóvão abaixo e depois Moumiz. Atravessei o cruzamento das Alminhas e a sede da Junta de Paus, onde uma inscrição luminosa saudava com “Boas Festas” os passantes. Passei ao lado da igreja, com S. Pedro nataliciamente iluminado, encimado por uma grande estrela, chegando às Quintãs por volta das 19h15, onde a lareira crepitava e aquecia a casa. Como hospedeiras, esperavam-me algumas moiras, guardadas por um vinho do Douro.
Às 9h30 de domingo, estava de saída para Fazamões, onde fui fotografar o presépio. Pela encosta acima, branqueada com uma grande camada de codo, fui encontrando várias pessoas que se dirigiam para a capela, onde às 10h30 iria ser celebrada missa pelo tio P. Tomás. Seguidamente, dirigi-me para a igreja de S. Cipriano, para assistir à missa abrilhantada pela banda “A Velha”, no âmbito da festa anual de convívio promovida por este agrupamento de música. O reportório incluiu varas canções de Natal, acompanhadas por seis instrumentistas e cantadas a várias vozes por trinta e seis cantores, a maioria dos quais crianças e jovens. A missa foi celebrada pelo P. Abel Costa, coadjuvado pelo Diácono Tiago Cardoso, que dirigiu uma saudação especial aos antigos colegas da banda de música, onde chegou a tocar. Regressei às Quintãs, onde nos esperava um retemperador almoço, interrompido pela chegada da Claudina e marido. A seguir, foi mais uma fuga com o Fernando até à Casa do Povo de S. Cipriano, onde decorreu um magnífico concerto pela banda “A Velha”, seguido de lanche. O tio Tomás e o Ricardo apareceram um pouco mais tarde. No fim, passei pela nossa casa de Anreade, onde deixei uma espada que o Ivo conseguiu trazer da Tailândia. Depois atravessei a vila de Resende, cujas árvores elegantemente iluminadas dão um brilho especial de Natal, assim como o som das canções que vão ecoando pelas ruas. O jantar foi uma reposição da consoada, com batatas, bacalhau…, que a tia Maria dos Anjos fez questão de preparar, e que teve um sabor especial. Foste muito recordado por todos.
Na segunda-feira, foi dia de voltar para Coimbra, mas com alguma voltas para dar por cá. Às 11h, tinha encontro marcado, na Talhada, com Serafim Pinto para resgatar histórias de vida, mas antes ainda passei por Resende para cortar o cabelo na barbearia do Sr. Sílvio.
Saí da Talhada cerca das 14h, a morrer de fome e quase a levantar voo com o forte vendaval que se fez sentir, depois de uma conversa de 2h30.
Bruno, embora longe, acompanhaste-me sempre ao longo desta viagem por terras onde corre o nosso sangue. Feliz passagem de ano, aí em Santa Catarina. Um forte abraço.