quinta-feira, julho 26, 2007

Entrevista de Anselmo Borges a " O Diabo" sobre o celibato dos padres

O nosso conterrâneo Anselmo Borges, padre e docente na Universidade de Coimbra, intuindo "o que aí vem" e atento à evolução da sociedade e da Igreja, responde sem papas na língua à jornalista Ana Clara de "O Diabo" sobre questões do celibato.
O Diabo – O celibato ainda é uma lei eclesiástica e difícil de contornar?
ANSELMO BORGES –
O celibato ainda é uma lei eclesiástica para os padres católicos de rito latino. De facto, ela não se aplica aos padres católicos das Igrejas orientais. Mesmo entre nós há padres casados: pastores protestantes que se converteram ao catolicismo e quiseram ser ordenados padres católicos. Isto significa então que é uma lei eclesiástica que pode (e, no meu entender, deve) ser modificada.
Há quem diga que o celibato é um dogma. Concorda?
Se houver alguém que diga que o celibato obrigatório é um dogma, está errado. De facto, a lei do celibato obrigatório não é um dogma, pois não tem a ver com doutrina de fé. É uma questão apenas disciplinar. Portanto, ela existe, mas pode mudar. No meu entender, esta lei do celibato obrigatório deveria acabar. Por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque não foi exigida por Jesus. Por exemplo, o grande apóstolo São Pedro, que foi até o primeiro Papa, era casado. Jesus não impôs a lei do celibato. Outra razão é que a presente lei leva a situações dramáticas na vida de muitos padres: vidas duplas, etc. Sou a favor da liberdade nesta questão, isto é, a favor do celibato escolhido livremente. E penso que é bom que haja padres que, querendo dedicar-se completamente a Deus e à ajuda nos problemas dos homens e das mulheres, optem pelo celibato.
Bento XVI recusa o fim do celibato. Esta é uma posição rígida e que não faz sentido perante a própria evolução da sociedade e que devia ser também a evolução da Igreja?
Para mim, a questão não está propriamente na adaptação à evolução da sociedade. Para mim, é uma questão de princípio: a Igreja não pode impor como lei aquilo que Jesus deixou à opção livre. Mas julgo compreender o que me diz: a sociedade hoje é mais sensível à liberdade.
Considera que o fim do celibato poderia representar uma das formas de a Igreja combater a crise de vocações que vem verificando nos últimos nãos?
A questão fundamental não se encontra no número de vocações, pois, repito, é uma questão de princípio. É possível que haja quem não queira ser ordenado padre por causa da lei do celibato. Mas também penso que a causa fundamental da crise das vocações não está no celibato. Há questões e razões mais profundas.
Como por exemplo?
O que se passa essencialmente, sobretudo nas sociedades ocidentais, é que os valores dominantes já não são a fé e os valores espirituais, mas os valores materiais, como o dinheiro, o prazer e tudo o que tem a ver com resultados imediatos. Falta espiritualidade, e Deus já não ocupa um lugar central na vida da maioria das pessoas. Neste quadro, não estou a ver muitos a quererem ser padres. Mas isto não significa que, de repente, as coisas se não modifiquem. Pode acontecer que as pessoas não suportem mais o niilismo e o vazio já presentes e que se vão acentuar. Então, procurarão outra vez o aprofundamento dos valores espirituais. A História é imprevisível.
Nos EUA a abolição do celibato exigiu mudanças urgentes dentro da Igreja e existem quase 2500 padres casados e 15000 em todo o mundo. Em Portugal a questão é tabu?
Não. A questão, entre nós, não é tabu. Uma prova de que não é tabu é que estamos aqui a conversar sobre o tema. E ainda há dias vi no “Diário de Notícias” bispos a pronunciarem-se sobre o assunto com liberdade. E também entre nós há muitos padres que abandonaram o sacerdócio e casaram. O próprio Papa Bento XVI tomou posição sobre o assunto, mas chamou os cardeais para debaterem a questão. Paulo VI – isso foi revelado mais tarde – estava disposto a acabar com a lei, se os bispos se tivessem pronunciado nesse sentido. Portanto, não é uma questão tabu. Mais tarde ou mais cedo o problema tem de ser debatido de modo mais aprofundado e com maior liberdade ainda. Julgo que num tempo não muito distante, a Igreja começará por decidir ordenar como padres homens casados (com família e exemplares como cristãos). A opção livre do celibato virá mais tarde. E até lhe digo que – isso será muito mais tarde – haverá também mulheres ordenadas.