O Deus do Oriente e o Deus do Ocidente
Conferência de Juan Masiá (Universidade Sophia, Tóquio)
O ocidente
e o oriente têm de fazer uma transformação mútua. Referiu que, antes de ir para o Japão, Cristo já estava
presente de muitas maneiras nessa terra. Isto implica que se deve passar de uma
concepção multicultural para uma concepção intercultural em que nenhuma das
partes tem o monopólio à partida nem à chegada.
A religião
é inseparável das culturas. Desconhecemos, a título de exemplo, como seria formulado o dogma da Santíssima
Trindade, caso o cristianismo se tivesse expandido
inicialmente para terras do sol nascente.
Não se
pretende um sincretismo religioso.
Falou de
pontos comuns entre Buda e Cristo. Buda não é Deus encarnado, mas alguém que
tentou passar a luz a outros. A partir desta compreensão, talvez seja
preferível não insistir que Jesus é Deus, mas que é o mistério encarnado de
Deus.
Concluiu
dizendo que o processo do diálogo e do encontro faz com que se saia simultaneamente mais cristão e menos cristão
ou mais budista e menos budista. Parece contraditório, mas não é.
O Deus de Jesus
Conferência de José Arregui (Universidade de Deusto, Bilbau)
Jesus foi
um profeta que criou um movimento de transformação em direcção a Deus. Não foi
um teólogo no sentido que lhe damos hoje. Não estava interessado no cumprimento estrito das leis, do culto e da
moral.
Jesus foi
um inovador e um infractor na medida em que lhe interessavam as pessoas na vida
e na alma, nas alegrias, no sofrimento…
Acreditou
no Deus dos pais de Israel, de Abraão, de Isaac, de Jacob, de Moisés, dos
profetas, que se afirmou como um Deus fiel, que castigava o seu povo, mas que
sempre perdoou. Nunca abdicou de cumprir o culto judaico. Foi sempre um
verdadeiro judeu. Rompeu, contudo, com o estabelecido quando estavam em causa
os verdadeiros ensinamentos dos profetas. As leis só são justas se salvam, se
libertam. A vida é o critério; não é a lei nem o culto.
Acreditou
firmemente no Reino de Deus que estava para chegar; Reino que resgataria os pobres,
enfermos e pecadores. Estava convencido que era um profeta e que Deus agia por
seu intermédio.
Jesus falou
com as categorias do seu tempo, designadamente no que se refere ao castigo e ao
pecado. Mas acreditava que Deus era poderoso e omnipotente, mas sobretudo
cuidador universal. Todas as criaturas são objecto dos cuidados de Deus.
Jesus cria
na ressurreição, esperando a libertação final.
Fé
significa confiança incondicional em Deus como mistério de pura graça,
confiança que nos faz livres, felizes, bons, compassivos como Jesus. As
crenças, por sua vez, dependem da cultura, da linguagem, da cosmovisão, que
mudam consoante as culturas e que não
são mais que formas e suportes da fé.
Interrogado
se acreditava que Jesus estava no pão da
Eucaristia, respondeu que sim, totalmente, pois o pão e o vinho são sacramento
de Deus.
Anselmo
Borges caracterizou este ex-franciscano como um verdadeiro iconoclasta.
A excepção humana e Deus
Conferência de Paul Valadier (Centre Sèvres, Paris)
O homem é
um pó passageiro ou é chamado a uma vida verdadeiramente divina?
A morte de
Deus arrasta inevitavelmente a morte do homem. A perda da fé leva mais ou menos
a prazo ao esgotamento do homem. Recusar o chamamento é retornar à
indiferenciação, à des-criação é o retorno ao caos primitivo.
O dualismo
cartesiano criou condições para o desenvolvimento científico ao considerar o
homem um ser superior aos demais, permitindo a separação entre o homem e o
animal e a exploração da natureza e o seu saque. Mas neste domínio não há
inocentes, devendo Marx ser confrontado,
pois foi ele quem advogou um domínio sem limites da natureza, atingindo-se
assim, segundo ele, a
super-humanidade e a infinitude sem
Deus.
A recusa da
excepção humana tem como consequência lógica a necessidade de ter um respeito igual por todos os seres vivos.
Todo o ser dotado de vida deve ser respeitado do mesmo modo. A privação da “ipseidade”,
esbatendo e até eliminando a diferença entre o eu e não eu, conduz à
indiferenciação e ao igualitarismo. É o animalismo.
Mas o homem
tem de construir-se, diferenciando-se através do acesso à linguagem, que tem de
ser aprendida.
O homem é
um ser vulnerável, produto da cultura, que se caracteriza também pela extrema
violência. A excepcionalidade do homem está em caracterizar-se como um ser
dotado de razão, que pode escolher o bem em vez do mal.
Relativamente
ao animalismo, importa contrapor que há
uma diferença qualitativa em relação aos outros animais. O animal faz um com a
natureza; o homem faz dois.
Perguntado
se se devem reconhecer direitos aos animais, disse que não, porque não há
reciprocidade (se o homem estiver doente, o cão não chama o médico, por ex.),
mas defendeu que há deveres para com eles, havendo a obrigação de os tratar bem
e de não os fazer sofrer.
Religião e ética
Conferência de Diego Gracia (Universidade Complutense, Madrid)
Tudo o que
não é justo não é ético. Lidar com a justiça/injustiça é uma experiência
básica. Por isso, as relações devem basear-se na justiça . Mas há relações que
não são horizontais e que não podem conduzir-se pelo princípio da justiça. São
relações verticais, onde não há reciprocidade nem retribuição (a vida que só os
pais podem dar, por ex.). Há, pois, a experiência da retribuição da justiça e a
experiência da gratidão, da graça, de algo que temos e não merecemos.
A
experiência do dom tem a ver com a religião. Se tudo se passasse no plano da
retribuição da justiça, não haveria lugar
para a experiência do dom, da religião. E
na sua origem estão pessoas com grande carisma, iluminadas pela razão, que têm
o condão de arrastar os seus semelhantes. Infelizmente, estes movimentos deram origem a organizações burocráticas, que se
preocuparam sobretudo com normativos e imposições morais, levando ao
controlo da vida das pessoas.
À pergunta
“és católico?”, as pessoas respondem “sim, porque sou contra o aborto, porque
sou contra a eutanásia…” As respostas, de um modo geral, não serão de base
religiosa, mas moral. Mas, na sua
origem, a experiência religiosa e moral são distintas.
Tal como a
medicina e outras áreas do saber se secularizaram da religião, também, mais tarde, a política se autonomizou. Isto
teve como consequência a purificação da religião. Mas falta uma outra
revolução: a emancipação da ética, ou seja, deixar o poder de controle sobre o
espaço da vida privada (sobre o corpo e a sexualidade) e da morte, cujas reivindicações começaram
nos anos 60. Falta à Igreja assumir esta secularização.
Deve haver
uma educação para a autonomia e responsabilidade, mas a Igreja tudo fez para
que se lhe obedecesse cegamente. Mas obedecer cegamente é inumano.
Nas escolas
educa-se para a responsabilidade e autonomia? Não. O que se ensina nos
programas educativos é triunfar. E a publicidade o que pretende? Vender,
fidelizar, mas nunca analisar criticamente.
Nota: Colóquio
organizado por Anselmo Borges