terça-feira, outubro 15, 2013

DEUS AINDA TEM FUTURO? (2)


 
 O Deus do Oriente e o Deus do Ocidente
Conferência de Juan Masiá (Universidade  Sophia, Tóquio)
O ocidente e o oriente têm de fazer uma transformação mútua. Referiu que,  antes de ir para o Japão, Cristo já estava presente de muitas maneiras nessa terra. Isto implica que se deve passar de uma concepção multicultural para uma concepção intercultural em que nenhuma das partes tem o monopólio à partida nem à chegada.
A religião é inseparável das culturas. Desconhecemos, a título de exemplo,  como seria formulado o dogma da Santíssima Trindade,  caso  o cristianismo se tivesse expandido inicialmente para terras do sol nascente.
Não se pretende um sincretismo religioso.
Falou de pontos comuns entre Buda e Cristo. Buda não é Deus encarnado, mas alguém que tentou passar a luz a outros. A partir desta compreensão, talvez seja preferível não insistir que Jesus é Deus, mas que é o mistério encarnado de Deus.
Concluiu dizendo que o processo do diálogo e do encontro faz com que se saia  simultaneamente mais cristão e menos cristão ou mais budista e menos budista. Parece contraditório, mas não é.
 
O Deus de Jesus
Conferência  de José Arregui (Universidade de Deusto, Bilbau)
Jesus foi um profeta que criou um movimento de transformação em direcção a Deus. Não foi um teólogo no sentido que lhe damos hoje. Não estava interessado  no cumprimento estrito das leis, do culto e da moral.
Jesus foi um inovador e um infractor na medida em que lhe interessavam as pessoas na vida  e na alma, nas alegrias, no sofrimento…
Acreditou no Deus dos pais de Israel, de Abraão, de Isaac, de Jacob, de Moisés, dos profetas, que se afirmou como um Deus fiel, que castigava o seu povo, mas que sempre perdoou. Nunca abdicou de cumprir o culto judaico. Foi sempre um verdadeiro judeu. Rompeu, contudo, com o estabelecido quando estavam em causa os verdadeiros ensinamentos dos profetas. As leis só são justas se salvam, se libertam. A vida é o critério; não é a lei nem o culto.
Acreditou firmemente no Reino de Deus que estava para  chegar; Reino que resgataria os pobres, enfermos e pecadores. Estava convencido que era um profeta e que Deus agia por seu intermédio.
Jesus falou com as categorias do seu tempo, designadamente no que se refere ao castigo e ao pecado. Mas acreditava que Deus era poderoso e omnipotente, mas sobretudo cuidador universal. Todas as criaturas são objecto dos cuidados de Deus.
Jesus cria na ressurreição, esperando a libertação final.
Fé significa confiança incondicional em Deus como mistério de pura graça, confiança que nos faz livres, felizes, bons, compassivos como Jesus. As crenças, por sua vez, dependem da cultura, da linguagem, da cosmovisão, que mudam consoante as culturas e  que não são mais que formas e suportes da fé.
Interrogado se  acreditava que Jesus estava no pão da Eucaristia, respondeu que sim, totalmente, pois o pão e o vinho são sacramento de Deus.
Anselmo Borges caracterizou este ex-franciscano como um verdadeiro iconoclasta.
A excepção humana e Deus
Conferência de Paul Valadier (Centre Sèvres, Paris)
O homem é um pó passageiro ou é chamado a uma vida verdadeiramente divina?
A morte de Deus arrasta inevitavelmente a morte do homem. A perda da fé leva mais ou menos a prazo ao esgotamento do homem. Recusar o chamamento é retornar à indiferenciação, à des-criação é o retorno ao caos primitivo.
O dualismo cartesiano criou condições para o desenvolvimento científico ao considerar o homem um ser superior aos demais, permitindo a separação entre o homem e o animal e a exploração da natureza e o seu saque. Mas neste domínio não há inocentes, devendo Marx  ser confrontado, pois foi ele quem advogou um domínio sem limites da natureza, atingindo-se assim, segundo ele,  a super-humanidade  e a infinitude sem Deus.
A recusa da excepção humana tem como consequência lógica a necessidade de ter  um respeito igual por todos os seres vivos. Todo o ser dotado de vida deve ser respeitado do mesmo modo. A privação da “ipseidade”, esbatendo e até eliminando a diferença entre o eu e não eu, conduz à indiferenciação e ao igualitarismo. É o animalismo.
Mas o homem tem de construir-se, diferenciando-se através do acesso à linguagem, que tem de ser aprendida.
O homem é um ser vulnerável, produto da cultura, que se caracteriza também pela extrema violência. A excepcionalidade do homem está em caracterizar-se como um ser dotado de razão, que pode escolher o bem em vez do mal.
Relativamente ao animalismo, importa  contrapor que há uma diferença qualitativa em relação aos outros animais. O animal faz um com a natureza; o homem faz dois.
Perguntado se se devem reconhecer direitos aos animais, disse que não, porque não há reciprocidade (se o homem estiver doente, o cão não chama o médico, por ex.), mas defendeu que há deveres para com eles, havendo a obrigação de os tratar bem e de não os fazer sofrer.
Religião e ética
Conferência de Diego Gracia (Universidade Complutense, Madrid)
Tudo o que não é justo não é ético. Lidar com a justiça/injustiça é uma experiência básica. Por isso, as relações devem basear-se na justiça . Mas há relações que não são horizontais e que não podem conduzir-se pelo princípio da justiça. São relações verticais, onde não  há reciprocidade nem retribuição (a vida que só os pais podem dar, por ex.). Há, pois, a experiência da retribuição da justiça e a experiência da gratidão, da graça, de algo que temos e não merecemos.
A experiência do dom tem a ver com a religião. Se tudo se passasse no plano da retribuição da justiça,  não haveria lugar para a experiência do dom,  da religião. E na sua origem estão pessoas com grande carisma, iluminadas pela razão, que têm o condão de arrastar os seus semelhantes. Infelizmente, estes movimentos  deram  origem a organizações burocráticas,  que se  preocuparam sobretudo com normativos e imposições morais, levando ao controlo da vida das pessoas.
À pergunta “és católico?”, as pessoas respondem “sim, porque sou contra o aborto, porque sou contra a eutanásia…” As respostas, de um modo geral, não serão de base religiosa, mas moral. Mas,  na sua origem, a experiência religiosa e moral são distintas. 
Tal como a medicina e outras áreas do saber se secularizaram da religião, também,   mais tarde, a política se autonomizou. Isto teve como consequência a purificação da religião. Mas falta uma outra revolução: a emancipação da ética, ou seja, deixar o poder de controle sobre o espaço da vida privada (sobre o corpo e a sexualidade)   e da morte, cujas reivindicações começaram nos anos 60. Falta à Igreja assumir esta secularização.
Deve haver uma educação para a autonomia e responsabilidade, mas a Igreja tudo fez para que se lhe obedecesse cegamente. Mas obedecer cegamente é inumano.
Nas escolas educa-se para a responsabilidade e autonomia? Não. O que se ensina nos programas educativos é triunfar. E a publicidade o que pretende? Vender, fidelizar, mas nunca analisar criticamente.
Nota: Colóquio organizado por Anselmo Borges