terça-feira, junho 26, 2007

Rancho de Anreade (1.ª parte)*

Ai, agora é que vou cantare/Não preciso de papele/Nós somos de Anreade,/Da terra de S. Miguele.
Estes versos, tal como tantos outros, que outrora ecoavam pelas encostas desta freguesia e eram cantados em festas e romarias, continuam hoje a ouvir-se no país e no estrangeiro, graças ao Rancho de Anreade.

Origem
Nos finais dos anos 70 e 80 do século passado, na sequência da tomada de consciência da riqueza cultural local e da necessidade da sua preservação e difusão, foram instituídas no país múltiplas associações ligadas a este desiderato. Assim aconteceu com as gentes de Anreade, que tomaram a iniciativa de formar uma Comissão de Melhoramentos, com o objectivo principal de preservar o património cultural, artístico e as tradições do povo da freguesia, tendo sido legalizada em 16-02-1983. E desde o início, os sócios mostraram vontade em criar um rancho folclórico, comprometendo-se para isso em adquirir instrumentos e em formar uma escola de música.
Entretanto, o pároco de Anreade incentivou a população a realizar cortejos para angariação de verbas, destinadas a reconstruir uma antiga casa, denominada “Salão Paroquial”, propriedade da igreja. Como a roquestra já iniciara os ensaios, havendo também alguns pares que se juntavam para dançar, um grupo de pessoas achou que era chegado o dia de realizar o cortejo de oferendas. Convém referir, no entanto, que esta primeira actuação do rancho não pode ser considerada como uma manifestação de natureza genuinamente folclórica e etnográfica, já que as danças, cantares, trajes e adereços eram desprovidos de valor cultural tradicional.
A actuação seguinte aconteceu na Festa da Cerejeira em Flor, no âmbito de um cortejo etnográfico envolvendo outras freguesias e grupos, que contou com a presença do Presidente da Federação de Folclore, que viria a ter uma importância fundamental na formação do rancho. O seu contributo e o entusiasmo incutido no grupo para que se respeitassem as tradições e as manifestações culturais genuinamente populares foram determinantes. Também merecem destaque os conselhos e a disponibilização do saber e da experiência do Grupo Folclórico de Pias-Cinfães, que viria a apadrinhar o rancho.
Na sequência deste processo, havia necessidade de proceder à formalização da criação do grupo, considerando-se o dia da escritura pública da Associação Rancho Folclórico e Etnográfico de S. Miguel de Anreade, que ocorreu em 17 de Setembro de 1986, como data fundadora.
Embora na génese do grupo esteja a determinação de muitas pessoas, é justo destacar o papel de Fernando Pinto, que ainda integra o rancho como tocador de castanholas.

Pesquisa e recolha das manifestações culturais populares
A organização do rancho foi precedida do levantamento rigoroso dos cantares, trajes danças, tocata e artesanato de Anreade e freguesias vizinhas. Todo o reportório foi fruto da recolha realizada por elementos do grupo, sobretudo pelo seu principal fundador, Dr. José Dias Gabriel, junto das pessoas mais idosas da freguesia. Ouviram-se contadores de histórias, lendas e canções e recolheram-se crendices, rezas, ditados e aforismos. Pediu-se às pessoas que dançassem e exemplificassem danças. Estudaram-se fotografias antigas, a fim de perceber a maneira de vestir da região.
O rancho é um verdadeiro embaixador da freguesia, pois as danças e cantares são, com poucas excepções, daqui originários. De entre os mesmos, destacamos: o baile mandado, ó rapaz aperta a faixa, o fado dos três passos, chula rabela, o malhão, o vira manhoso e eu fui ao cimo de vila.
*Escrito para o Jornal de Resende (publicado em Abril de 2007)