quarta-feira, dezembro 28, 2005

Memórias dos meus Natais em Paus

Passei os meus primeiros onze anos de vida (nasci em 1950) num registo totalmente diferente do que hoje se passa. Sem estradas, telefones, luz eléctrica, rádio, televisão e, claro, sem água canalizada e saneamento básico. A pobreza (ou melhor, a miséria) era generalizada. A dependência dos pequenos e médios proprietários rurais era quase total. Muitas famílias sobreviviam, endividando-se. A minha, apesar de tudo, podia considerar-se priveligiada, pois o meu pai era "artista", a minha mãe ganhava algum dinheiro com o comércio de ovos, sendo ainda donos de dois pequenos soitos e duas pequenas courelas.
O Natal desse tempo era antecipado pela montagem do presépio na igreja pelas catequistas, em que as crianças colaboravam. Era com uma alegria contagiante que procurávamos e transportávamos o musgo, que iria dar corpo à magia que pouco a pouco se ia revelando. No final, ficava estupefacto perante a maravilha encantatória: a gruta, o menino com os pais, o burrinho, a vaquinha, os pastores, as ovelhinhas, os reis magos, as estrelas, o lago com os patinhos...
A tarde do dia 24 descia calma. Ainda hoje tenho a sensação que as pessoas andavam mais satisfeitas. E tenho a impressão que o fumo saía das casas com mais intensidade.
O meu pai não trabalhava ou terminava o trabalho mais cedo. E trazia figos secos e pinhões que jogava connosco, enquanto a minha mãe fazia as "fatias paridas" e cozinhava as batatas com bacalhau e troncha. Depois do jantar, íamos à missa do galo, finda a qual, já em casa, nos agurdava uma açorda (feita com os restos do bacalhau e troncha), "fatias paridas" e vinho quente.
No dia 25, havia uma refeição melhorada, sem sopa, como na consoada, o que era motivo de grande contentamento.
No Natal desse tempo, não havia pai-natal, árvores de natal nem prendas. Sendo assim, por que é que recordamos com saudade os Natais da nossa infância? Talvez, porque reconhecemos ter sido presenteados com a dádiva do possível, vinda da família, da catequese e da escola, geradora, apesar de tudo, de um ambiente propício ao fantástico.