No seguimento do comentário de ontem, e para ilustrar as possibilidades que podem ser exponenciadas pelo roteiro queirosiano, transcreve-se o registo efectuado por Miguel Torga aquando da visita à Torre da Lagariça.
"Torre da Lagariça, freguesia de S. Cipriano, Resende, 30 de Setembro de 1953 - Ainda bem que vim a este desterro tirar a prova real às minhas conclusões de ontem(1).
Aqui o cenário natural corresponde inteiramente ao literário de A Ilustre Casa de Ramires. Desde o título da obra, tirado do nome da pequena povoação que fica em frente, à famigerada torre, sólida e carrancuda diante de mim, a Craquede, que é o arruinado mosteiro de Cárquere a dois passos, a Oliveira, caiada e tangível lá em baixo, quanto no livro é susceptível de identificação pode ser identificado. E no entanto... Chega a parecer feiteçaria: temos tudo e falta o essencial. Ou melhor: os lugares e as coisas estão animados de uma vida que a auscultação física não confirma. Uma presença oculta por detrás da realidade fá-la pulsar, sem que ela na verdade se mova. E essa força secreta não é senão o génio do romancista. É Eça a cometer façanhas encarnado em Tructesinho e a contá-las na pele de Gonçalo. Por isso, para que o romance se encontre, é preciso sabê-lo primeiro, trazê-lo de memória, colar cada página a cada pormenor da paisagem, que só então fica palpitante e habitada."
1) Refere-se à visita a Santa Cruz do Douro/Tormes
Para se ser rigoroso, o primeiro parágrafo (qualificação de desterro) terá de ser enquadrado na idiossincrasia de Miguel Torga e na sua visão de inquietude e de pessimismo perante o mundo, havendo também de ser remontado à época.
No entanto, ainda hoje, para obviar a sensação de desconforto dos visitantes, convém criar condições de atractividade, desigadamente através de novas e melhores acessibilidades.