sexta-feira, dezembro 05, 2014

Debate em Coimbra a propósito da apresentação do livro "DEUS AINDA TEM FUTURO?", de Anselmo Borges (coord.)



Decorreu ontem, na "sapientíssima" sala de São Pedro da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, o debate DEUS NA ERA DA CIÊNCIA, por ocasião do lançamento do  livro  DEUS AINDA TEM FUTURO? Além de Anselmo Borges, coord. do livro, participaram no debate Carlos Fiolhais (Físico, Univ. de Coimbra) e Javier Monserrat (Neurólogo, Filósofo, Teólogo, Universidade de Madrid e Universidade de Comillas, Madrid).  Foi um debate seguido  com muito interesse pela numerosa assistência, em que se incluíam muitos  estudantes universitários.
Refira-se que o livro em questão tem a sua origem no Colóquio Internacional, realizado no Seminário da Boa Nova, Valadares, Gaia, nos dias 12 e 13 de Outubro de 2013.
Anselmo Borges procurou justificar o título do livro e fez o enquadramento dos temas e das questões nele abordados. Este é um livro de perguntas na senda das inquietações do homem. "Um ser que pergunta pelo Infinito é um ser que tem algo de Infinito, logo imbuído de dignidade", Citou Karl Rahner, que perguntava: "O que aconteceria, se a simples palavra 'Deus' deixasse de existir?". E respondia: "A morte absoluta da palavra 'Deus', uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não ouvido por ninguém, de que o Homem morrera". Concluiu com uma palavra de esperança, pois,  na sua perspectiva, Deus faz sentido e tem futuro na e para a Humanidade.
Carlos Fiolhais começou por afirmar que o livro "Deus ainda tem futuro" é o livro da interrogação. Aliás, "Anselmo Borges é o apóstolo da interrogação", referiu. Disse que as ciências também partem da interrogação e procuram um sentido, o sentido da inteligibilidade do mundo. A religião e a ciência não são incompatíveis. Cada uma tem a sua dimensão e esfera próprias, como bem viu,  já naquela altura,  Galileu.  Por isso, é normal que haja cientistas crentes e cientistas não crentes. De qualquer modo, "Deus tem uma carga muito forte, porque o homem é um animal religioso", afirmou. E a este propósito trouxe  à colação o verso de Fernando Pessoa: "Deus é o existirmos e isto não ser tudo". Referiu ainda que, além da ciência e da religião poderem coexistir normalmente, podem até colaborar, dando como exemplo os possíveis contributos no campo da ética. Por fim, deu a conhecer facetas e citações de diversos cientistas relativamente às respectivas  posições e percepções referentes à religião e a Deus.
Javier Monserrat apresentou uma síntese notável no que respeita à hermenêutica/interpretação/leitura do núcleo da mensagem cristã (kerigma cristão) face aos vários paradigmas no contexto da cultura e da ciência. A Igreja dos primeiros séculos começou por fazer uma hermenêutica no contexto do paradigma grego-romano (fundado na variedade de conteúdos filosóficos e sócio-políticos que formavam em conjunto o mundo greco-romano). Durante séculos, foi, pois, este paradigma, com a sua filosofia teocêntrica e a sua ordem sociopolítica teocrática, que influenciou decisivamente  e foi dando corpo à herança recebida. Enquanto a ciência esteve imbuída de uma visão dogmática,  perspectivando o universo como mecanicista,  determinista, estático e não evolutivo,  o diálogo com a Igreja tornou-se impossível, pois estavam dois dogmatismos em confronto. Com as transformações que originaram uma nova visão do universo, da vida e do homem, chegamos àquilo  a que se pode denominar de modernidade crítica, caracterizada pela incerteza e pelo reconhecimento do enigma. Este paradigma impõe a consciência clara de que o Deus possível, a existir, está distante e em silêncio. Por outro lado, parece coerente aceitar que o mundo real criado por Deus é o descrito pela ciência. Como o Deus da Criação e o Deus da Revelação são o mesmo Deus, há que empreender uma mudança hermenêutica  a partir da autenticidade do kerigma cristão (mensagem recebida de Jesus de Nazaré dada na fé da Igreja), que responda à nova visão científico-filosófica do universo, da vida e do homem. Para operar este processo de mudança na Igreja, Javier Monserrat aponta como desejável a convocação de um novo Concílio Ecuménico. 
É impossível  resumir  e dar conta do essencial do conteúdo da intervenção de Javier Monserrat. O melhor é ler e reler o capítulo "A experiência moderna do silêncio de Deus: uma mudança hermenêutica necessária para o cristianismo", que integra o livro DEUS AINDA TEM FUTURO?