sábado, maio 06, 2006

Porque amanhã é dia da mãe

Estávamos em Janeiro de 1972. Preparámos tudo o que era indispensável para a longa viagem rumo à guerra de Angola. Saímos apressados para apanhar a camioneta em Sto António, junto à Ponte de S.Martinho de Mouros. Carregados, o trajecto a pé demorava cerca de meia-hora. Já depois do Lugar, devido ao adiantado da hora e ao passo apressado, chegou-se à conclusão que era melhor a minha mãe voltar para trás.
Para que doesse menos, foi uma despedida rápida, em que não dizendo nada, dissemos tudo.
Em passo ainda mais apressado, a minha irmã e eu retomámos o caminho. Passados uns segundos, instintivamente, virei-me para trás. E os nossos gestos e os nossos olhares coincidiram, pois, nesse mesmo instante, a minha mãe acabava também de se voltar para trás. E dissemos um longo adeus. Passados alguns instantes, tornei a viarar-me para trás. E os nossos gestos e olhares coincidiram. E uma vez e outra vez e uma última vez.
Já, em Angola, compulsivamente, quantas vezes, nas estradas, caminhos e picadas, olhei para trás à espera que ela lá estivesse..., mas não estava. Mas este gesto reconfortava-me, pois talvez servisse para esconjurar medos e fantasmas.
Em Junho de 1974, regressei tranqilamente. Ao contrário de muitos, a tropa e a guerra em Angola tinham constituído uma experiência sem traumas.
Depois de chegar às Quintãs, voei para o Soito ao encontro da minha mãe. Ao ver-me, disse: Marinho, e desmaiou.
Contudo, no modo como disse o meu nome, disse o que faltava dizer. Disse todos os compêndios de ternura. Disse uma vida. Disse tudo.