sexta-feira, janeiro 08, 2016

(Ex)citações de fim de semana*

"Bristol, 29 de Julho de 1886

Meu querido Oliveira Martins

O portador desta carta será, creio eu, o sobrinho de minha mulher, D. Luís de Castro, que vai fazer exames - exames que ele te explicará, porque eu nada compreendo das divertidas complicações da pedagogia nacional. Sei apenas que, quando um rapaz quer ser engenheiro - o Estado imediatamente lhe ensina Retórica e Direito Canónico: e quando o temperamento de outro moço o inclina para a Teologia - logo o Estado o torna proficientíssimo em Desenho Linear e Botânica. Quando eu estava no Porto, assisti com efeito ao pavoroso espectáculo dos estudos do Luís de Castro: ele quer ser, creio eu, engenheiro naval: e para isso andava introduzindo dentro do crânio, por meio de um martelo e de um compêndio, um tratado de direito civil, as "Èclogas" de Virgílio e a lista de todos os reís de França e de Inglaterra, com os seus nomes, os seus números, as suas alcunhas, as suas famílias, os seu seus bastardos e as suas fundações pias. Foi então que eu compreendi a filosofia e a secreta moral do empenho. O empenho, tão caluniado pelos austeros, é, por fim a salvação do País. O empenho é o correctivo do bom senso público aplicado ao disparate oficial. Sempre que um Regulamento saído de um antro burocrático, impõe ao público uma prática tola - o público coliga-se por meio do empenho para lhe anular os efeitos funestos (...).
Este aranzel tende acalmar a tua consciência de filósofo e de patriota - quando eu agora te pedir, com instância, que te empenhes para que D. Luís de Castro seja aprovado em todas essas matérias que o Estado lhe fez decorar, que ele decorou com paciência e submissão, mas que, no momento preciso, lhe podem esquecer - como todas as coisas que a gente sabe só de cor, e só em obediência ao Estado!
*Carta de Eça de Queirós a Oliveira Martins