"Perdi a fé e não há nada a fazer. A fé, diz o catecismo, é uma virtude sobrenatural. Não basta o esforço da natureza ou da razão. Porque a adesão intuitiva ou emocional a um facto que experimentalmente não pode ser conhecido, a crença, resulta de uma energia interior que não pode facilmente suprir-se quando desaparece. Não creio em Deus nem na inexistência de Deus: reconheço que há um domínio que não consigo penetrar e paro à porta dele com respeito. Agnosticismo? Sim, se quiser. Fruto, sincero, de uma incapacidade de ir além de certos limites de compreensão. Os sentidos são deficientes para abarcar o sobrenatural: praestet fidei suplementum sensum defectui. Se lhe falta a fé...
(...) Entre as razões que me levaram a ocultar largos anos a minha crise estava o terror - digo bem: o terror - de influenciar alguém no mesmo sentido. Não desejaria abalar a fé de ninguém, muito menos destruí-la, e por isso evito, ainda hoje, as discussões".
Carta (datada de 06-05-1979) de Marcello Caetano a Laureano López Rodó (professor universitário, político e ministro do regime franquista)
