Abel Alvelos nasceu em Resende há 28 anos, terra onde é conhecido e
acarinhado por todos. Desconhecido, porém, por muitos é a paixão do Abel pelo
boccia, uma modalidade destinada
a atletas com paralisia cerebral e doenças neuromusculares, que já lhe valeu vários títulos nacionais.
E o sonho poderia ir mais longe, nomeadamente até aos Jogos Paralímpicos, se
tivesse as condições necessárias para treinar com regularidade em Resende. E
isso até custaria muito pouco…
Por Paulo Sequeira
Abel Luís Martins Alvelos chegou ao mundo com
espinha bífida, uma malformação congénita que condicionou, para sempre, a sua
vida a uma cadeira de rodas e a uma constante luta para ter maior autonomia e
mobilidade.
Apesar disso, comunga dos mesmos gostos das
outras pessoas. Gosta de conviver com os amigos, ouvir música, ver televisão,
jogar computador (embora não tenha uma mesa adaptada para o seu caso), ver
futebol (sendo um adepto fervoroso do Futebol Clube do Porto) e até tocar
órgão. Mas as suas pequenas grandes vitórias passa(ra)m também pela Escola
Secundária de Resende, onde concluiu, com sucesso, o terceiro ciclo, pelo Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) da Associação Portas P’rá Vida (Associação de Pais e
Amigos do Cidadão Deficiente do Agrupamento de Concelhos do Vale Douro Sul), uma estrutura
de apoio à população com deficiência ou incapacidade, e pelos Bombeiros Voluntários de Resende, a sua segunda casa, onde é auxiliar central,
fazendo parte de um grupo de escala, ao fim de semana, de mês a mês.
Poucos, todavia, sabem da sua paixão pelo boccia, uma modalidade destinada a atletas com
paralisia cerebral e doenças neuromusculares, que pode ser disputada
individualmente, em pares ou por equipas de três elementos, sem divisão por
sexos, num pavilhão com marcações próprias, envolvendo 13 bolas: seis de cor
azul, seis de cor vermelha e uma bola branca.
A
história de sucesso que une Abel Alvelos ao boccia começou na Associação de Paralisia
Cerebral de Viseu (APCV). Desde os 9 meses que frequenta esta
Instituição, onde efetua sessões de fisioterapia e psicologia e, desde os 14
anos, boccia. É um dia por semana, mas que parece condensar os restantes dias
da semana, tal o interesse e a motivação que levam o Abel à cidade de Viseu. Começou a competir aos 16 anos, e, nessa altura, este
jovem resendense estava longe de pensar que a
modalidade teria um impacto tão grande na sua vida, ao ponto de conquistar
vários prémios individuais e, sobretudo, em pares, em Campeonatos
Nacionais por zonas, na Fase Final e no Campeonato de Portugal. Abel Alvelos participa como individual
na terceira de quatro classes, designada BC3, destinada a atletas que jogam com
calhas, com um acompanhante técnico, que está de costas para o jogo e o ajuda a
orientar a calha para lançar a bola.
Além
das vitórias no campo, o boccia trouxe-lhe outras conquistas, a nível físico e
social. Abel ganhou maior mobilidade no tronco e no braço esquerdo,
assim como uma capacidade de concentração mais apurada. Requerendo muita
estratégia e inteligência, a modalidade confere excelentes efeitos
terapêuticos, no que diz respeito à estimulação intelectual e à coordenação
motora. Para a definição das jogadas, a perícia é fundamental, assistindo-se
recorrentemente a um verdadeiro espetáculo de alternância de vantagem, com a
aplicação de táticas adequadas a cada circunstância.
Por
outro lado, o boccia é ainda uma forma de socialização, permitindo aos atletas
sair de casa, falar, conviver, ou seja, uma integração mais eficaz.
Recorde-se
que a modalidade, com origem em 1982, mereceu desde logo a atenção do nosso
país. Hoje, somos uma potência mundial, detentora do maior número de medalhas
conquistadas internacionalmente. Portugal vai estar representado no torneio de
boccia dos Jogos Paralímpicos Londres'2012 por nove atletas, entre os quais
quatro que alcançaram medalhas em Pequim'2008, um deles colega do Abel.
Apesar das dificuldades que o impedem de treinar com a regularidade
desejada, nomeadamente em Resende, por falta de material e condições de treino,
acalenta o sonho de um dia representar o país internacionalmente, caso dos
Jogos Paralímpicos, apesar dos inúmeros problemas de saúde, nomeadamente a
nível renal (ficou recentemente sem um rim).
“Se eu tivesse o meu próprio material, poderia praticar e aperfeiçoar a
minha técnica diariamente, como fazem os meus colegas, e chegar a Viseu mais
confiante. É o meu sonho!”, confessa com um brilhozinho nos olhos. E o sonho do
Abel depende apenas cerca de 2 mil euros, que permitam a aquisição de uma calha
de acrílico, um jogo de bolas, um tripé e um capacete, material necessário para
a prática desta modalidade em pavilhão.
“Gostaria de competir ao mais alto nível, mas não tenho disponibilidades
financeira para isso”, diz entristecido. De facto, as dificuldades
financeiras são muitas e os apoios poucos, apesar dos Bombeiros Voluntários de
Resende disponibilizarem as suas deslocações e a autarquia já ter custeado uma
viagem à Madeira para a participação num Campeonato Nacional.
Apesar de tudo, o Abel, dentro ou fora
do campo, tem de superar-se diariamente. “As pessoas com deficiência têm
potencial e conseguem coisas iguais ou melhores que as pessoas ditas normais.
No desporto superam-se e fazem coisas que se pensa não serem possíveis. No caso
do boccia, dificilmente se encontra outra área que exija tanto. Se queremos
ganhar, temos de trabalhar”, exemplifica.
Depois há as barreiras sociais e
arquitetónicas que continuam a limitar quem usa cadeira de rodas, nomeadamente
em edifícios públicos. Abel não compreende porque não são transmitidos pela
televisão os Jogos Paralímpicos, onde Portugal tem obtido
grandes resultados, e não percebe porque é que na vila as pessoas continuam a
estacionar os automóveis nas passadeiras com rampas. “Será que as pessoas não
sabem para que servem as passadeiras e as rampas?”, interroga.
Em Resende, o Abel é acarinhado por todos. “As
pessoas têm um carinho especial por mim. Sempre que passo na rua, as pessoas tem
uma atenção comigo. Felizmente tenho muitos amigos…”, diz. As maiores dificuldades de Abel são ao nível da higiene em casa, por falta
de condições da casa de banho, apesar da ajuda da sua mãe, atualmente reformada
e, por vezes, doente, nomeadamente ao nível da higiene. “Apesar de comer
sozinho, estou dependente da minha mãe. Mesmo quando está doente, faz tudo por
mim. É o meu anjo da guarda…”.
O outro anjo, o seu pai, carpinteiro de profissão, faleceu há anos num
acidente de trabalho, em S. Romão.
*Reportagem da autoria de Paulo Sequeira, publicada no Jornal de Resende, n.º de Agosto de 2012