domingo, fevereiro 15, 2009

Debate "Religião e Religiões no Século XXI"

Discurso directo:
Pode ser-se simultaneamente religioso e ateu (Anselmo Borges);
O casamento supõe um contrato com objecto e natureza específicos. Relativamente aos homossexuais, defendo que o mesmo deverá ter outra designação (Maria Belém Roseira);
Onde há Livro (referindo-de às três religiões do Livro), há apropriação da Verdade, há fundamento da Verdade. Onde há fundamento da Verdade, poderá haver deriva para o fundamentalismo (António Reis);
Não há nenhuma moral que tenha em si o gérmen da compaixão. A moral não manda amar o próximo, manda respeitar o próximo (Paulo Rangel);
Conforme refere Derrida, o perdão é um milagre (Anselmo Borges);
As pessoas não se revêem em determinadas orientações da Igreja. Há dissonâncias entre a busca e a resposta que lhes é dada ou enviada (Maria Belém Roseira);
As religiões são ambivalentes: promovem o amor e a compaixão, mas também são fonte de ódios e de guerras (António Reis);
Cristo não discriminou as mulheres. Nos Evangelhos aparecem sempre como amigas e discípulas de Jesus. Ora isto é revolucionário (Paulo Rangel);
Nós somos finitos, mas abertos ao Infinito. O ser humano anseia o Infinito e é isso que lhe dá dignidade (Anselmo Borges);
A Igreja tem uma perspectiva de um papel secundário e serviçal das mulheres, insistindo num modelo de desgraduação social (Maria Belém Roseira)
Leio-o e releio-o religiosamente (António Reis), referindo-se aos escritos de Anselmo Borges;
O processo de revelação é lento. Os Apóstolos começaram por não perceber a sua mensagem. Mesmo S. Paulo não percebeu "verdadeiramente" algumas coisas do que escreveu. Ao afirmar: "Não há judeu nem grego, não há escravo ou livre, não há homem nem mulher", deveria tirar daí todas as implicações, afirmando: libertem os escravos (Paulo Rangel).

Resenha do debate
Anselmo Borges começou por agradecer a presença dos intervenientes da mesa e saudar todos os presentes, tendo dirigido um cumprimento especial ao Escultor José Rodrigues, autor dos desenhos das capas dos seus livros, a quem chamou meu irmão. Relembrou também Guilherme d'Oliveira Martins, autor do prefácio de "Janela do (In)finito", a quem agradeceu.
Seguidamente, fez a introdução ao debate, referindo que a questão da religião é constitutiva do ser humano. Porque somos confrontados com a morte, a questão última estará sempre presente e acompanhar-nos-á. Explicou os dois pólos que a fenomenologia da religião abarca, devendo ser estabelecida uma distinção entre religioso e sagrado: i) religioso enquanto pólo subjectivo, isto é , a atitude do Homem frente ao Sagrado ; e ii) Sagrado ou Mistério como pólo objectivo , referente último das várias religiões, e que se apresenta em múltiplas configurações: politeísmo, monismo, dualismo, fé num Deus Pessoal, transcendente e criador..Por isso, uma pessoa pode ser religiosa (isto é, vinculada ao Sagrado, ou seja, à Ultimidade para a qual não tem explicação) e ateia (na medida em que não adere a um Ser pessoal, Transcendente). Nesta sequência, afirmou que há uma pergunta inconstruível que perpassa a vida dos homens e que a religião tenta formular (e responder). "Onde há esperança", há religião, rematou. Perante a indiferença religiosa e o ateísmo que cavalgam o Ocidente, apresentou como uma das causas a ciência (e designadamente as neurociências), mas apontou também a inacção dos crentes como outra das explicações. A terminar, apelou para um tema que lhe é caro, o diálogo inter-religioso e a adopção de critérios éticos entre religiões, referindo que a ultimidade possui-nos, mas ninguém pode possuir a ultimidade, a realidade última. Por isso, o fundamentalismo (origem de radicalismos e fanatismos) é expressão de ignorância e até de estupidez.
António Reis começou por recordar o contraste entre os anos setenta, em que estavam na moda os debates ideológicos à volta de temas como marxismo e cristianismo, e os tempos actuais, que se caracterizam pelo esgotamento das ideologias, em que predomina o relativismo materialista e a alienação do ser. Com a progressiva perda de influência das religiões institucionalizadas, referiu que a grande divisão coloca-se entre aqueles que põem a questão do sentido e os que não a põem, vivendo o imediatismo. E adiantou que para a questão de sentido poderá haver respostas múltiplas: a crença num Deus pessoal, agnosticismo racional, agnosticismo místico (implicando mistério) e até espiritualidade sem Deus. Sob o seu ponto de vista, como ainda não está tudo "dito" pela ciência, a tendência será para as pessoas , incluindo os não crentes, assumirem uma espiritualidade não religiosa.
Maria Belém Roseira chamou a atenção para preversidade das religiões enquanto portadoras de projectos de poder, em que o dogma se sobrepõe à razão e a autoridade à reflexão. Trouxe à colação os novos desafios que os avanços das neurociências (exemplificando com António Damásio) lançam com perplexidade à religião. Na sua perspectiva, à religião está reservado um campo de partilha de valores, respondendo à busca de sentido e fornecendo uma dimensão de eternidade. Lamentou que a Igreja esteja, em muitas situações, desfazada do tempo, por contraste com o cristianismo primitivo.
Paulo Rangel começou por evocar a Janela do (In)finito, um livro de sentido e cheio de sentidos, com "enclaves de ternura". Pode não resolver os grandes problemas filosóficos, mas brotam dele elos de proximidade. Confessou que o livro lhe forneceu um outro olhar sobre questões sobre as quais nunca tinha pensado ou lhe tinham passado ao lado (ateísmo de Deus, Jesus como pessoa racional, que pensa, e a explicação para a chamada traição e suicídio de Judas). Ao contrário de António Reis e de Maria Belém Roseira, referiu que não acredita na construção do ideal de uma moral universal, sendo a mesma insuficiente. Há dimensões de que a religião é portadora, como a compaixão, o perdão e o amor ("A ética é despida de amor", disse). Relativamente ao celibato dos padres e ao acesso das mulheres ao sacerdócio, perspectivou-as como questões geracionais às quais a Igreja se vai adaptar e dar resposta. Por fim, chamou a atenção para o facto de que a Igreja é constituída por todos os crentes, por muitas e variadas comunidades e não só pela Igreja hierárquica, cujos deslizes fazem a delícia dos media.

Nota final
As pessoas acorreram em grande número, tendo muitas delas assistido de pé ao debate. Sem ninguém ter arredado pé, terminou já perto da uma hora da manhã. Embora a maioria dos presentes fosse ou vivesse no Porto, havia entre a assistência gente de Braga, Barcelos, Lisboa, Coimbra, Lamego e até da Madeira. Sim. O "célebre" P. Martins veio propositadamente da Madeira.
Este foi um debate vivo, mas sereno, com alguns princípios a serem reafirmados por todos , como a laicidade, que pressupõe a manifestação pública da fé e o direito da(s)Igreja (s) expressar(em) livremente os seus pontos de vista.