segunda-feira, novembro 17, 2008

O Jogo da Esperança do Mundo

O fim de semana passado foi objecto de um grande acontecimento cultural na Fundação Eng. António de Almeida (Porto): o VI Colóquio de Psicanálise e Cultura, subordinado ao tema O Homem e o(s) Jogo(s).
O evento foi muito participado, com as inscrições esgotadas, e muito interdisciplinar. Uma plêiade de académicos, investigadores e profissionais de várias áreas do saber, incluindo (claro) a psicanálise, desfilou em palco e foi a jogo para partilhar as suas reflexões e conhecimentos sobre tão aliciante assunto. Os temas tratados por psicanalistas, embora sempre interessantes para os “convertidos” e cativantes para os iniciados (por algumas pitadas de esoterismo), não acrescentaram nada de novo, tendo em conta os pressupostos do mundo conceptual e do paradigma interpretativo da vida psíquica em que os mesmos se movem. Já recapitular o jogo na perspectiva etológica, tendo Bracinha Vieira por orador, foi muito aliciante. No quadro das mesas-redondas, aconteceram intervenções muito pedagógicas e estimulantes, como a de João Duque sobre jogos de bolsa e a de Carlos Fiolhais sobre jogos e azar. Contudo, as três conferências mais “substantivas”, cujo lastro irá permanecer, foram as proferidas por João Maria André (professor de filosofia na Universidade de Coimbra), Adriano Moreira e Anselmo Borges.
João Maria André inaugurou o colóquio, falando mais de uma hora sobre “o(s) jogo(s) do homem e o jogo do mundo”, tendo tido a oportunidade de magistralmente aclarar conceitos, fazer o percurso histórico-filosófico pelo conceito do jogo, definir e apresentar as várias categorias interpretativas e de aproximação ao tema e fazer outro tipo de análises, parecendo querer esgotar o assunto.
Adriano Moreira, o nosso senador mais qualificado, cativou a assistência pela forma como abordou “os jogos do poder e o poder dos jogos”, fazendo-o com muita sabedoria e assente em muita experiência. Refiro apenas uma ideia de entre as muitas apresentadas. A partir de revoluções ou da via democrática, faz parte da natureza das “coisas”, depois de conquistar o poder, conservá-lo. O cidadão será confrontado no mandato dos governantes com três discursos: o discurso das promessas (para melhor conquistar o poder), o discurso do encontro com a realidade (logo no dia de posse) e o discurso da justificação (incumprimento do prometido, após a saída). E parece não haver volta a dar a este ciclo. O único político que prometeu “sangue, suor e lágrimas” foi Churchill. E só conhecemos (no quadro da história recente) dois homens que agiram politicamente parecendo movidos superiormente por acção profética (Gandhi e Nelson Mandela).
O Jogo da Esperança do Mundo foi brilhantemente tratado por Anselmo Borges, que começou por afirmar que a religião está em recuo, já que a explicação para o aparecimento do homem com base na selecção natural e no acaso abalou a fé, parecendo tornar Deus desnecessário. Vivemos hoje num mundo, cujo horizonte é o presentismo e a eficácia, onde reina a inesperança. Mas viver sem Deus também não é fácil. Na senda de Ernest Bloch, há questões que nos perseguem e perseguirão sempre: donde vimos? para onde vamos? que esperamos? o que nos espera?...E há indagações sobre o eu e o carácter distintivo do homem, que merecem reflexão: eu sou eu a partir de um corpo; eu sou a partir das (minhas) circunstâncias; eu sou eu saindo de mim; por vezes, não sei se sou eu; eu sou, mas ainda não sou; ainda não sou o que serei. Este questionamento leva-nos a concluir que o homem é um ser inquieto, voltado para futuro, para um futuro que não domina. Ou seja, o homem é um ser do transcendimento.
As palavras-chave desta conferência foram futuro e esperança. Anselmo Borges frisou que a realidade só se percebe a partir do futuro. O cosmos desde a sua raiz está em processo, num dinamismo orientado para o futuro. Nós também comungamos desta matriz, que é espera e a busca no futuro. Mas, enquanto a espera do animal é fechada e instintiva, a do homem é aberta, porque se constitui em projecto (a partir de questões: o que será de mim? o que me espera?). O salto a partir daqui só pode ser dado na base da confiança, cujo objecto poderá ficar confinado ao terreno da realização histórica (luta por mais igualdade, por ex.) ou abrir-se ao transcendental, possibilitando o cumprimento das aspirações mais profundas do homem.
Rematou afirmando que “o processo ainda não transitou em julgado”. Mas é possível a Esperança. Esperança actuante na transformação do mundo, sinal do que ainda está para chegar.