No âmbito do VII Encontro Nacional da APARF (Associação Portuguesa Amigos de Raoul Follereau), o Dr. Vítor Borges, nosso conterrâneo e advogado em Lisboa, proferiu, no passado dia 4 de Novembro, em Fátima, uma comunicação sobre o tema tão pertinente, embora fora de moda, dos "Direitos humanos e a dignidade dos doentes pobres". Pelo seu interesse, reproduzem-se alguns excertos.
"(...)
Para os cristãos não existe necessidade de qualquer declaração de direitos humanos, na medida que a dignidade de todos e cada um têm aquele fundamento e justifica-se por si.
A partir do racionalismo e do iluminismo europeu, a moral e a ética deixaram de poder ser fundamentados em convicções religiosas e, por isso, houve necessidade de, por outra via, relevar os direitos das pessoas, os chamados direitos humanos.
Como, desde o século XVIII, a sociedade se organizou com o princípio do império da lei, ou seja, todos são iguais perante a lei e todos devem obedecer às leis, foi necessário introduzir nos sistemas jurídicos ocidentais determinadas declarações de princípios positivos que salvaguardassem os direitos iguais das pessoas perante a lei.
A constituição americana (antes, a Magna Carta já considerava direitos civis iguais) foi a primeira a declarar por escrito a dignidade fundamental de todos os seres humanos perante a lei e perante o Estado.
A revolução francesa (jacobina e laica) veio depois, com as três palavras paradigmáticas – liberdade, igualdade e fraternidade – pretender fundamentar a igualdade de todos os seres humanos em princípios de mera racionalidade que tinham a ver com os chamados filósofos das luzes e que tinham sido desenvolvidos, entre outros, por Emanuel Kant.
Vimos depois, nos séculos XIX e XX, que estas declarações de princípios não tiveram grande sucesso.
Foi necessário chegar ao fim da segunda guerra mundial para que os Estados definissem positivamente quais são os direitos fundamentais de todos os seres humanos com a chamada Declaração Universal dos Direitos Humanos adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948.
A partir daí muitas outras declarações e textos legais têm sido produzidos como o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a Declaração e Programa de Acção de Viena, a Declaração do Milénio, o Estatuto do Conselho da Europa, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais também do Conselho da Europa, a Carta Social Europeia, etc, etc.
Toda esta legislação parte de uma convicção profunda que é a de que todos somos seres humanos, de que todos temos necessidades comuns e todos pertencemos ao género humano.
Enfim, todos somos pessoas e como pessoas somos sujeitos autónomos e livres, capazes de direitos e sujeitos de deveres.
A dignidade da pessoa humana constitui assim o núcleo essencial dos direitos fundamentais.
A partir do racionalismo e do iluminismo europeu, a moral e a ética deixaram de poder ser fundamentados em convicções religiosas e, por isso, houve necessidade de, por outra via, relevar os direitos das pessoas, os chamados direitos humanos.
Como, desde o século XVIII, a sociedade se organizou com o princípio do império da lei, ou seja, todos são iguais perante a lei e todos devem obedecer às leis, foi necessário introduzir nos sistemas jurídicos ocidentais determinadas declarações de princípios positivos que salvaguardassem os direitos iguais das pessoas perante a lei.
A constituição americana (antes, a Magna Carta já considerava direitos civis iguais) foi a primeira a declarar por escrito a dignidade fundamental de todos os seres humanos perante a lei e perante o Estado.
A revolução francesa (jacobina e laica) veio depois, com as três palavras paradigmáticas – liberdade, igualdade e fraternidade – pretender fundamentar a igualdade de todos os seres humanos em princípios de mera racionalidade que tinham a ver com os chamados filósofos das luzes e que tinham sido desenvolvidos, entre outros, por Emanuel Kant.
Vimos depois, nos séculos XIX e XX, que estas declarações de princípios não tiveram grande sucesso.
Foi necessário chegar ao fim da segunda guerra mundial para que os Estados definissem positivamente quais são os direitos fundamentais de todos os seres humanos com a chamada Declaração Universal dos Direitos Humanos adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948.
A partir daí muitas outras declarações e textos legais têm sido produzidos como o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a Declaração e Programa de Acção de Viena, a Declaração do Milénio, o Estatuto do Conselho da Europa, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais também do Conselho da Europa, a Carta Social Europeia, etc, etc.
Toda esta legislação parte de uma convicção profunda que é a de que todos somos seres humanos, de que todos temos necessidades comuns e todos pertencemos ao género humano.
Enfim, todos somos pessoas e como pessoas somos sujeitos autónomos e livres, capazes de direitos e sujeitos de deveres.
A dignidade da pessoa humana constitui assim o núcleo essencial dos direitos fundamentais.
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O seu fundamento já não é nem Deus nem qualquer princípio religioso, mas sim a natureza humana enquanto tal e o chamado direito natural.
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Quanto a direitos parece que não faltam, difícil é concretizá-los.
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Aparentemente, os direitos humanos, os direitos fundamentais da pessoa humana, os direitos de não discriminação, os direitos dos pobres e os direitos dos doentes (ainda por cima pobres) estão assegurados.
Mas não estão.
Nunca como hoje se falou tanto de direitos humanos, de ética e até de responsabilidade social das empresas e das organizações.
Os Estados modernos assentam na ficção de que todos os homens são iguais.
Contudo, têm dificuldade em fundamentar essa igualdade.
Como são estados democráticos, assente no direito de todos poderem participar na vida pública, ou seja, de votar, e todos construídos no princípio do direito ou do império do lei, não encontram razões que possam justificar qualquer desigualdade.
Para segurança dos próprios Estados e dos cidadãos que representam, as situações de desigualdade extrema ou de pobreza extrema podem criar tensões sociais passíveis de gerarem violência.
Quando os Estados falam de pobreza, hão-de reparar que todos falam da chamada inclusão social.
É necessário que todos se sintam incluídos nos objectivos dos Estados, gerando as situações de exclusão aquelas tensões.
No passado dia 23 de Outubro foi apresentado o chamado Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI) relativo aos anos 2006/2008.
No Relatório, é apresentada a situação de pobreza em Portugal que necessariamente nos envergonhará.
Em 2004, cerca de 21% da população portuguesa vivia abaixo do chamado limiar de pobreza.
Na Europa dos 25, esta situação era de 16%.
Há diferenças até entre os sexos, sendo que também em 2004, 22% das mulheres estavam em situação de pobreza contra 20% dos homens, sendo as mulheres a apresentar sistematicamente um risco de pobreza mais elevado desde 1995.
O carácter persistente das situações de pobreza também é evidenciado no Relatório que justifica aquele Plano.
Cerca de 15% da população vivia abaixo do limiar de pobreza em 2001 e em, pelo menos, dois anos dos três precedentes.
Esta situação não resulta de condicionalismos conjunturais, mas estruturais, sendo que é acompanhada de cada vez maior desigualdade na distribuição de rendimentos quanto maior é o desenvolvimento económico do país.
O grau de desigualdade na distribuição dos rendimentos em Portugal é o mais elevado da União Europeia.
Em 2004, a proporção do rendimento recebido pelos 20% de maior rendimentos da população era 7,2x superior à recebida pelos 20% de menores rendimentos.
Na União Europeia esta relação é de 4,8.
Uma sociedade não pode continuar com tão elevado grau de desigualdade, pelo que se impõe a inclusão dos que estão numa situação de potencial exclusão como remédio de eventuais surtos de insegurança ou violência.
Os pobres não são defendidos porque a sociedade lhes reconhece direitos ou lhes reconhece a sua dignidade intrínseca, mas porque é necessário incluí-los porque a sua exclusão é potenciadora de problemas.
Quando os países ricos, como os E.U.A. ou a Europa, definem como política apoiar os países pobres, fazem-no pelas mesmas razões.
Existem, no entanto, pessoas, organizações, instituições que apoiam as pessoas, pobres, doentes, deficientes, nos mais diversos países, incluindo os seus, por motivos, não egoístas, porque lhes reconhecem a sua dignidade humana intrínseca porque criados e filhos do mesmo Deus.
Antes de os Estados se preocuparem com a saúde e o bem estar daquelas pessoas, já outras abriam hospitais, fundavam misericórdias, tratavam dos leprosos e de outros doentes segregados pela sociedade, saíam das suas terras e iam para países inóspitos porque consideravam todas as pessoas iguais, com direitos e dignidade iguais.
Alimentar os que têm fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os doentes, era um imperativo categórico não baseado na razão pura ou prática de Kant, não em qualquer Declaração de Direitos, mas no dever moral de assistir aos seus irmãos, porque têm a dignidade de filhos de Deus.
Hoje fala-se muito em direitos esquecendo-se os deveres.
Em muitos casos considera-se que as pessoas têm direitos conferidos pelo Estado, esquecendo-se os deveres que as pessoas e a sociedade têm não só consigo mas também com os outros.
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Mas não estão.
Nunca como hoje se falou tanto de direitos humanos, de ética e até de responsabilidade social das empresas e das organizações.
Os Estados modernos assentam na ficção de que todos os homens são iguais.
Contudo, têm dificuldade em fundamentar essa igualdade.
Como são estados democráticos, assente no direito de todos poderem participar na vida pública, ou seja, de votar, e todos construídos no princípio do direito ou do império do lei, não encontram razões que possam justificar qualquer desigualdade.
Para segurança dos próprios Estados e dos cidadãos que representam, as situações de desigualdade extrema ou de pobreza extrema podem criar tensões sociais passíveis de gerarem violência.
Quando os Estados falam de pobreza, hão-de reparar que todos falam da chamada inclusão social.
É necessário que todos se sintam incluídos nos objectivos dos Estados, gerando as situações de exclusão aquelas tensões.
No passado dia 23 de Outubro foi apresentado o chamado Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI) relativo aos anos 2006/2008.
No Relatório, é apresentada a situação de pobreza em Portugal que necessariamente nos envergonhará.
Em 2004, cerca de 21% da população portuguesa vivia abaixo do chamado limiar de pobreza.
Na Europa dos 25, esta situação era de 16%.
Há diferenças até entre os sexos, sendo que também em 2004, 22% das mulheres estavam em situação de pobreza contra 20% dos homens, sendo as mulheres a apresentar sistematicamente um risco de pobreza mais elevado desde 1995.
O carácter persistente das situações de pobreza também é evidenciado no Relatório que justifica aquele Plano.
Cerca de 15% da população vivia abaixo do limiar de pobreza em 2001 e em, pelo menos, dois anos dos três precedentes.
Esta situação não resulta de condicionalismos conjunturais, mas estruturais, sendo que é acompanhada de cada vez maior desigualdade na distribuição de rendimentos quanto maior é o desenvolvimento económico do país.
O grau de desigualdade na distribuição dos rendimentos em Portugal é o mais elevado da União Europeia.
Em 2004, a proporção do rendimento recebido pelos 20% de maior rendimentos da população era 7,2x superior à recebida pelos 20% de menores rendimentos.
Na União Europeia esta relação é de 4,8.
Uma sociedade não pode continuar com tão elevado grau de desigualdade, pelo que se impõe a inclusão dos que estão numa situação de potencial exclusão como remédio de eventuais surtos de insegurança ou violência.
Os pobres não são defendidos porque a sociedade lhes reconhece direitos ou lhes reconhece a sua dignidade intrínseca, mas porque é necessário incluí-los porque a sua exclusão é potenciadora de problemas.
Quando os países ricos, como os E.U.A. ou a Europa, definem como política apoiar os países pobres, fazem-no pelas mesmas razões.
Existem, no entanto, pessoas, organizações, instituições que apoiam as pessoas, pobres, doentes, deficientes, nos mais diversos países, incluindo os seus, por motivos, não egoístas, porque lhes reconhecem a sua dignidade humana intrínseca porque criados e filhos do mesmo Deus.
Antes de os Estados se preocuparem com a saúde e o bem estar daquelas pessoas, já outras abriam hospitais, fundavam misericórdias, tratavam dos leprosos e de outros doentes segregados pela sociedade, saíam das suas terras e iam para países inóspitos porque consideravam todas as pessoas iguais, com direitos e dignidade iguais.
Alimentar os que têm fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os doentes, era um imperativo categórico não baseado na razão pura ou prática de Kant, não em qualquer Declaração de Direitos, mas no dever moral de assistir aos seus irmãos, porque têm a dignidade de filhos de Deus.
Hoje fala-se muito em direitos esquecendo-se os deveres.
Em muitos casos considera-se que as pessoas têm direitos conferidos pelo Estado, esquecendo-se os deveres que as pessoas e a sociedade têm não só consigo mas também com os outros.
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Embora da lei escrita (nacional, europeia, transnacional, internacional) conste a total proibição de toda a discriminação, nós sabemos que os doentes pobres são duplamente discriminados, não só por estarem doentes mas, sobretudo, por serem pobres.
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