
Ao passar no meio da aldeia, encontrava frequentemente, sobretudo a partir do cair da folha, o Sr. Zé Maria a "confeccionar" mais um caixão. As urnas, destinadas aos mais endinheirados, eram transportadas de S. Martinho de Mouros, sem segredos, à cabeça de uma mulher.
Como as pessoas, na altura, morriam todas em casa, era obrigação dos vizinhos e amigos ajudarem com a sua presença a ultrapassar o acontecimento doloroso dos familiares dos recém-defuntos. Muitas vezes, eram mais noitadas de convívio, em que corria aguardente em abundância, acompanhada de broa e salpicão, do que ocasiões de luto e de consternação.
Quando morria alguém, a notícia era dada porta à porta. Como os adultos tinham de trabalhar, a tarefa de ir aos funerais era acometida, muitas vezes, às crianças do sexo masculino, a quem era pedido, frequentes vezes, para levar uma opa ou "ir de cruzada". Dos 6 aos 11 anos, acumulei um vasto currículo e experiência de ida a funerais nas freguesias de Paus, S. Martinho de Mouros e S. João de Fontoura. O ritual era sempre o mesmo. Chegado ao destino, estendia a mão a um grupo de homens, alinhados de perfil, que presumia serem familiares do defunto, dizendo em voz firme e bem audível: "Sou filho de Alfredo Borges, que apresenta os seus pêsames". Depois integrava o cortejo no meio dos homens, onde ouvia falar de tudo e até se fechavam negócios.
No dia 1 de Novembro, à tardinha, acompanhava a minha mãe ao cemitério ( na altura um enorme matagal), que cuidadosamente arranjava a campa do meu avô Anselmo, deixando-a coberta de pétalas e com um lampião aceso. No dia seguinte, dia dos fiéis defuntos, terminava um ciclo de relação com a morte e com os mortos.